4. Não Cometemos Deslizes

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A noite estava tão quente que era difícil acreditar que o inverno chegaria logo.

Samira achou que não conseguiria pregar os olhos. Detestava aquela sensação – corpo exausto, mente agitada. Entretanto, o cansaço a venceu. Assim que deitou no colchão e apagou a tacanha luz da vela, dormiu.


Ela estava correndo. Desviava dos carros nas ruas, das pessoas desesperadas, ela conhecia a sensação. Nas mãos, tinha uma arma, mas que parecia tão errada. Era o mesmo cenário do dia em que perdeu tudo. Aquela rua, antes um confortável trajeto que lhe dizia que logo estaria em casa, era agora palco de pesadelos.

Samira estava sozinha e gritava os nomes dos irmãos.

– Andy! Benji!

Mas eles não respondiam.

A mulher deu meia volta. Nadou contra a corrente. O tiroteio a apavorava, mas ela precisava voltar. Um raio cortou o céu sem estrelas, nublado e triste, e ela entrou na casa em que cresceu.

Queria encontrar os irmãos.

– Andy!

Ela correu para o andar de cima.

– Benji!

Quando abriu a porta do quarto do pai e de Stella, viu a cena perturbadora. Stella estava sobre a cama, os olhos arregalados e sem vida, a colcha branca tingida de vermelho pelo sangue que jorrava de sua garganta. No chão, manchando o carpete, Andy era só um garotinho. Benji era só um bebê. Os dois sem vida, em uma desconcertante imagem. Os olhos foram arrancados, e as órbitas pareciam olhar para ela. Recostado na janela, com sangue nas mãos, seu pai olhava para baixo. Quando Beto levantou os olhos, ela não reconheceu as orbes cor de caramelo. Eram tingidas de preto, olhos do inimigo. Ele falou, mas a mulher também não reconheceu a voz.

– Sam?

Ela gritou.


– Sam!

A Sabino acordou assustada com um salto, chutando o lençol para longe.

Um pesadelo. Fazia tempo que não os tinha. Em todas as vezes que sonhava com o pai, via-o com olhos de Corvo, uma traquina peça de sua mente.

Ela olhou em volta e, mesmo na escuridão, procurou por quem a chamara.

Graças à fraca luz que entrava pela janela, Samira distinguiu Zoe abaixada ao seu lado.

– O que foi, Zoe?

– Precisa vir comigo.

A amiga estava pálida.

– Isso já está virando hábito.

– Eu espero realmente que não, Sam. Anda, corre!

Samira olhou para o lado. Benji dormia como um anjo. Ela rolou para fora do colchão e, ainda descalça, seguiu Zoe. Só então lembrou-se: o turno da noite era dela, e estavam rumando para o telhado.

O estômago embrulhou.

Em silêncio, ouvindo apenas a própria respiração ofegante, Samira seguiu Zoe. Subiram pelo alçapão, e Sam não sabia se o medo que lhe tirava o ar vinha do pesadelo ou daquele momento.

Quando os pés descalços tocaram o telhado, instintivamente encolheu-se. Ela olhou em volta. Conseguiu distinguir mais três figuras, todas vestidas de preto, como mandava o protocolo. Ela, por outro lado, estava com um shorts cinza e curto, uma blusa azul e larga. Não devia estar ali, mas Zoe a chamara por algum motivo.

Olhos de CorvoOnde histórias criam vida. Descubra agora