Vendo Benji crescer, sendo obrigada a criá-lo mesmo só uma criança, durante muitos anos Samira cantou-lhe uma canção que Stella usava para niná-lo.
Ben,
chegaste em boa hora pra ver
O mundo que gira veloz
E a vida que corre demais
E Samira passava as mãos nos cabelos novos e finos de um bebê que, com um, dois anos, ria do mundo, os dedos pequeninos agarrados à gola da blusa da irmã obrigada a amadurecer cedo, nenhum dos dois sabendo direito o que os esperava.
Ben,
Um dia você vai crescer
Cansar de brinquedo, jogar
Voltar com a tristeza debaixo do braço
E apesar dela adorar a voz do cantor, do violão de fundo, do jeito melodioso que soava quando dava play no Spotify, os headphones nos ouvidos, ela adorava muito mais quando Stella cantava. Ainda mais quando o pai o fazia.
Que os dentes caem,
E as pernas crescem demais,
Fantasmas voam
Depois que a luz se desfaz
Um dia, Samira perguntou porque chamaram o irmão dela de Benji. Era um nome muito diferente. Não que Andy não fosse, mas aquele era particularmente intrigante para ela, talvez por causa da canção.
Ben, não deixa de ouvir os discos que eu dei
Não perde um bom dia de onda no mar
Ouviu de Beto e Stella que Ben, a música, estava tocando na rádio no momento em que descobriram da segunda gravidez da mulher. E Ben virou Benjamin, depois só Ben, e os dois concordaram, enfim, que seria Benji. Benji Sabino.
A vida é boa
Quando se brinca demais
Quando se canta
E não se olha pra trás
Então, depois de quinze de março de dois mil e treze, Samira ninava Benji todas as noites com uma canção que, à princípio, soava errada em sua voz. Mas Benji, em seus braços, tão pequenino, tão inocente, tão puro e pequeno e... amável, a olhava com os olhos brilhando, até que eles se fechassem. Era o jeito de Sam de deixar a conexão do menino com os pais.
Só não se esquece
Que eu sou parceiro e sem mais.
Não se lembrava ao certo de quando parou de niná-lo com a música. Talvez quando a letra parou de fazer sentido, quando Benji não teve brinquedos aos quais se agarrar, crianças com quem brincar, nem discos nem mar. Ou talvez porque as vozes do pai e madrasta já se apagavam da mente de Samira, e o que restava era apenas a versão do cantor, e a apavorava o fato de que esquecia-se da letra, hora e outra. Ou ainda porque, depois de sua voz mudar, de passar pela adolescência e puberdade, aquela música não lhe cabia mais. Ou porque Benji nunca seria o Ben da canção que os pais queriam que ele fosse.
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Olhos de Corvo
ActionDas cenas que sua mente não bloqueou, cuja memória Samira guarda com carinho, entram as íris caramelo de seu pai na última vez em que ele a olhou no olho. Daquele dia em diante, aprendeu a preciosidade daquele gesto, o olho no olho, íris na íris. Fo...