Pé ante pé, eles avançavam assim. Com pressa, mas precisando de calma.
A chuva conseguia alcançá-los em todas as direções, mesmo escondidos dentro daquele labirinto de containers no porto.
A audição era um sentido com o qual não podiam mais contar. A tempestade encobria passos, tiros e gritos.
A visão também não ajudava. A escuridão que causaram com a explosão da usina somada ao céu nublado e ao banho de água gelada impetuoso os limitava a enxergar metros à frente.
Mas continuavam. Com pressa, mas precisando de calma. Pé ante pé. Quase cegos de tanta escuridão, quase surdos de tanto barulho.
As mãos de Benji envolviam o antebraço de Samira com afinco, e ela sentia as pequenas falanges tremerem com o medo que o menino sentia. Estava determinada a tirá-lo dali. A arma apontava para a frente, enquanto mantinha o irmão mais novo atrás do próprio corpo.
Tinha um vislumbre da silhueta de Tomas Steve a guiando, e estava convicta de que Eric vinha logo atrás com Andy.
O som da tempestade no pé do ouvido transformava-se gradualmente no de ondas quebrando. Era como se guiavam no desconhecido.
Em dado momento, Tom parou, e Sam quase bateu em suas costas. Ele apoiou as mãos na parede, e inclinou-se, aparentemente aliviado.
– O que foi? – a mulher cochichou.
Tom olhou para trás, e os Olhos de Corvo brilharam com um raio que atravessou os céus. Tinha esperança estampada na imensidão das orbes negras.
– Encontrei – murmurou.
Quando viu que Samira não entendera, mostrou a ela onde estava apoiado: uma marca de faca gravada na lateral de um container.
Ele mostrou a faca nas próprias mãos.
E Sam entendeu que ele encontrara o caminho que desenhou para si mesmo nas paredes, uma releitura de João e Maria.
Eles enfim tinham um mapa dentro do labirinto.
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O homem apresentou-se como Miguel Braun. Capitão Miguel. Um nome jovial para um rosto envelhecido.
Quando tiveram medo de que o cenário atual realmente se concretizasse, David Prior contactou Miguel Braun, um homem pacato de olhos verdes-piscina, duas filhas de doze e dezesseis anos e uma esposa também de olhos pacatos. E um poodle. Uma família completa.
David contou do medo que tinham de uma iminente guerra e como precisavam juntar esperanças para um futuro. Miguel era uma esperança. Foi, durante metade de sua vida, comandante de navio. Começou na marinha, e assentou sua profissão como capitão de cruzeiros. Via o mundo inteiro.
Quando David lhe prometeu segurança, para ele e para a família, incluindo o poodle, Miguel aceitou participar de seu plano.
Quando a guerra explodiu, prematura, ele foi um dos primeiros a ser refugiado.
Ele teve insônia naquela noite. Estava no quintal, fumando. Conseguiu fugir e seguir as coordenadas que lhe foram passadas.
Mas as duas filhas e a esposa não tiveram tanta sorte. Ele sempre se sentiu um covarde por não ter voltado por elas.
Mortas nas camas a tiros, enquanto dormiam.
Miguel Braun gostava de pensar que talvez seu poodle tivesse fugido também.
Nas catacumbas em Havenna, teve uma década para se preparar para aquele dia.
O dia em que tiraria seu povo dali.
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Olhos de Corvo
AcţiuneDas cenas que sua mente não bloqueou, cuja memória Samira guarda com carinho, entram as íris caramelo de seu pai na última vez em que ele a olhou no olho. Daquele dia em diante, aprendeu a preciosidade daquele gesto, o olho no olho, íris na íris. Fo...