Em vinte e quatro anos, Samira podia contar nos dedos quantas vezes ouviu um brado tão angustiante quanto o da mulher à sua frente.
Trisha estava ajoelhada sobre o corpo de Anika, e as lágrimas embaçavam tanto seus olhos que – por bem – ela mal conseguia ver o que fizeram com sua menina. Esqueceu-se de Ishan, esqueceu-se de manter qualquer compostura na frente do filho, porque aquela dor que rasgava-lhe o peito era tão forte que ela não se importaria em morrer com a garota ali mesmo.
A arma de Sam apontava para o Corvo que ela matou, o homem grisalho com a mão suja de sangue, e ela só lembrou-se de se mexer quando Eric o fez primeiro, agindo em um milésimo de segundo. Jon fez o mesmo. Se ainda lhes restava qualquer resquício de sanidade depois de ver aquela cena horrífica de uma garotinha com o crânio estourado por crimes que ela nunca cometeu, então eles tinham que agir.
Eric lançou-se sobre Andy, jogado no chão e bramindo gritos de dor que eram encobertos pelo terror de Trisha. O homem viu o cotovelo do menino dobrado para o lado errado. A situação demandava cuidado, mas eles não tinham tempo. Então Eric puxou Andy do chão, aguentou os xingamentos do garoto e, usando de todas as suas forças, jogou o braço bom de Andy sobre seus ombros, erguendo-o o suficiente para tirá-lo dali.
Samira não precisou guardar a arma quando arrancou Laila dos braços de Benji e tomou o antebraço do irmão.
A parte mais difícil foi Jon quem fez.
Trisha era uma mulher pequena, então foi ágil envolver seus braços pela cintura dela e puxá-la para longe do corpo da filha. Ishan apenas seguiu, assustado.
Trisha acotovelava, chutava, xingava.
– Não vou deixar ela aqui! Não vou deixar minha menina aqui!
Mas, quando eles conseguiram perder-se outra vez no pandemônio de Luso, por entre Corvos pasmados com o caos e absortos demais para reagir, o mar de pessoas tentando sobreviver fechou-se outra vez, e o corpo de Anika tornou-se mais uma estatística do que o ódio infundado é capaz.
Dessa vez foi Eric quem guiou, obrigando os outros a seguirem seu ritmo.
Uma garoa fina começou a cair sobre eles. Fina e cruel, gélida.
Ele já não sabia mais para onde estava indo, apenas que precisavam sair daquela rua antes que os Corvos percebessem o que aconteceu.
Um pensamento horrível lhe passou pela cabeça e ele o guardou para si: não reconheceriam os olhos de Anika nem se tentassem.
Os gritos de agonia de Andy em seu ouvido eram mais que o suficiente para desnorteá-lo, e o garoto soltava todo o peso em seus ombros, como se já tivesse desistido. Ou como se já tivesse feito o suficiente sozinho até ali e agora só quisesse ser carregado. E, mesmo com Andy bradando de angústia, ele ainda conseguia ouvir a desesperada súplica de Trisha em algum lugar atrás dele, sendo arrastada por Jon para longe do corpo da filha.
Eric sabia que não chegariam a lugar nenhum assim.
Então, reconheceu exatamente onde estavam. Era uma viela que cruzava com a avenida do hospital. Ali, apenas lojas comerciais. E um estabelecimento que ele conhecia bem.
Ele respirou fundo e parou por um mísero segundo para ajeitar a arma na mão.
O homem fez uma curva brusca à esquerda e encontraram-se em um beco escuro, onde nada era visível.
– Eric? – Samira chamou.
Ele não respondeu, Apenas soltou Andy contra a parede do beco e começou a tatear tijolo por tijolo.
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Olhos de Corvo
AksiDas cenas que sua mente não bloqueou, cuja memória Samira guarda com carinho, entram as íris caramelo de seu pai na última vez em que ele a olhou no olho. Daquele dia em diante, aprendeu a preciosidade daquele gesto, o olho no olho, íris na íris. Fo...