Uma playlist aleatória tocava sem parar nos alto-falantes abafados da cafeteria, e Drica rodava uma caneta nos dedos hábeis.
O dia estava estranho. Pouca clientela, abafado, nublado, mas sem chuva, e ela perdia-se na movimentação da marola no porto, hipnotizada pelos barcos balançando na água. A caneta rabiscou nos papéis, às vezes palavras aleatórias, às vezes rachuras despretenciosas, e ela já não sabia o que estava escrevendo quando o sino da porta se abrindo tocou.
Drica olhou para cima, erguendo os olhos do papel, para ver a primeira cliente daquela tarde. Zoe estava suada, a pele negra corada nas bochechas e os cabelos trançados presos em um coque alto. Ela abriu um sorriso travesso ao entrar e largou a mochila em uma cadeira logo à porta. Caminhou arrastando-se até a bancada e sentou-se na frente da colega de quarto.
– O que faz aqui? – Drica indagou, batendo a tampa da caneta na mesa repetidamente.
– Que flor do campo! – Zoe zombou. – Achei que fosse um raio de sol, Gabriela.
– Corta essa – Drica debochou, dando um sorriso de lado. – Estamos sozinhas.
Zoe olhou em volta, para a cozinha aos fundos. Realmente, eram só as duas ali. A loira acrescentou:
– Gabriela é um raio de sol insuportável. Mas, pelo amor de Deus, estamos sozinhas.
– E eu vim aqui pensando que ia ver essa personagem inédita com meus próprios olhos! – Zoe brincou, ajeitando-se no banco.
– É sério. – Drica largou a caneta. – O que faz aqui?
A mulher deu de ombros e respirou fundo, rodando no banco pouco confortável do balcão.
– Estou com fome.
Drica riu.
– O que vai ser?
– Aquilo ali. – Zoe apontou com a cabeça para um pão de queijo solitário na vitrine ao lado delas. – E um café com leite.
– Quer que recheie? – A loira aprontou-se para pegar o salgado.
O queixo da outra caiu.
– Dá pra fazer isso?
Drica apontou para uma máquina atrás dela, onde haviam várias opções de recheio. Cream cheese, requeijão, ervas finas, creme de avelã...
– Creme de avelã! – Zoe bradou.
– Ah, não, Zoe. – Drica revirou os olhos.
– Eu sou a cliente!
– Isso é um crime!
– Chame a sua gerente!
Drica olhou para o teto e cochichou um pedido de paciência a um Deus em quem não acreditava nem desacreditava. À contragosto, recheou o pão de queijo com o creme de avelã e entregou à amiga, que sorriu como se aquela fosse uma especiaria de Paris.
Zoe mordeu o pão de queijo, e seus olhos piscaram repetidamente.
– Meu Deus, isso é divino.
– Não acredito que eu durmo do seu lado.
– Mude de lado.
– Você é a que menos se mexe.
Zoe riu e limpou o creme de avelã da boca com o dedo anelar.
– Agora me diga a verdade – Drica pediu.
– Você é boa. – Zoe lambeu os dedos, sem titubear ou tentar desmenti-la. – Estou pensativa.
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Olhos de Corvo
AksiyonDas cenas que sua mente não bloqueou, cuja memória Samira guarda com carinho, entram as íris caramelo de seu pai na última vez em que ele a olhou no olho. Daquele dia em diante, aprendeu a preciosidade daquele gesto, o olho no olho, íris na íris. Fo...