14. David

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Eric deu privacidade a Sam. Trouxe-lhe um balde de água morna, uma esponja, sabão e uma cadeira, e Samira tomou um banho rápido, ao mesmo tempo não querendo olhar para as feridas dispostas no corpo e com ansiedade por ter respostas logo, mesmo que precisasse limpar aquele lugar de si.

Quando saiu outra vez ao quarto – que descobriu ser a enfermaria –, ele estava sentado na cama, à postos caso ela chamasse ou precisasse de algo, e o coração de Samira se aqueceu um pouquinho. Era bom ter um pouco de ternura depois de tudo.

Eric levantou o olhar para ela, e Sam finalmente pôde estudá-lo com calma. Era estranho como parecia conhecê-lo tão bem, ao mesmo tempo que não sabia nada sobre ele. Só conhecia os olhos azuis piscina, duas grandes bandeiras contra a ditadura de olhos negros; a voz grave e arrastada, quase calma o tempo inteiro; e Sam tirou um segundo para gravar o resto: Eric era um homem magro ao mesmo tempo que não deixava de ser forte. Alto, mas nem tanto. Cabelos castanhos quase negros ao mesmo tempo bagunçados e jeitosos. O rosto era fino como o nariz, mas os lábios destacavam-se, e o maxilar desenhado era um diferencial. E Samira viu seus ferimentos; um dos olhos estava roxo e inchado, com uma veia estourada no canto de fora. Ele segurava uma das costelas com dedos tremulantes e tentava não mostrar o quanto doía, mas ela viu. A pancada na cabeça estava com um curativo. O lábio rosado, cortado. E ela percebeu as faixas que envolviam seus punhos, como os dela, onde o sisal das cordas também o mutilou.

Samira sentiu-se imediatamente culpada por ele estar lá, cuidando dela, quando ela nem ao menos deu-se o trabalho de perguntar como ele estava.

– Está pronta? – ele indagou, cortando o silêncio.

Para quê, exatamente, ela não sabia, mas concordou mesmo assim.

Ele se levantou, ainda envolvendo o corpo com o braço, e Sam o viu caminhar até o armário e puxar duas muletas de lá de dentro. Segurou uma careta. Teria que se acostumar com aquilo, mas não se acomodaria.

– Por que você? – ela perguntou.

– O que quer dizer?

Samira tomou as muletas, vendo-as um tanto mais altas para ela do que gostaria.

– Por que está aqui comigo quando deveria estar se recuperando também?

Eric soltou uma risada tacanha que Sam não entendeu. Então, caminhou até a porta e a abriu. A escuridão do outro lado os chamava e, com um gesto de mãos, ele convidou-a a o acompanhar. Sam o fez.

Caminharam lado a lado, e Eric iluminava a direção que seguiam. À princípio, atravessavam por um escuro e longínquo corredor. Nada de janelas, e Samira começava a ficar desesperada com a falta de luz ali.

– Por que eu sou... o mais próximo de um enfermeiro que temos, talvez? – ele finalmente respondeu, quando ela achou que não mais o faria. – Ou algo do tipo.

Sam o olhou de soslaio, confusa.

– Quantos anos têm?

E Eric sorriu, porque ela era, no mínimo, uma ótima observadora.

– Vinte e nove.

– Então... tinha dezenove quando o mundo acabou.

– Exatamente.

– As contas não fecham. – Ela ergueu as sobrancelhas. E, de repente, estava ainda mais ansiosa para saber sobre o passado dele.

– Uma longa história. – Ele sorriu de canto.

– Que eu adoraria ouvir – Sam insistiu.

Eric não lhe respondeu, e Sam anotou mentalmente que ele lhe devia uma história, por mais longa que fosse.

Olhos de CorvoOnde histórias criam vida. Descubra agora