7. Olhos Azuis

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Quem quer que estivesse parado à sua frente, tapando sua boca, era dono dos olhos mais azuis que Samira já viu. Ele a empurrava contra a parede, e Sam sentia os dedos trêmulos do homem que, ao invés de olhar para os lados à procura de seus perseguidores, olhava no fundo de seus olhos. Era um sobrevivente, como ela. As íris, independente de que cores tinham, tornaram-se sinal de resistência. O homem, Samira percebeu, usava roupas escuras como ela e Andy – como os patrulheiros do abrigo –, mas não era ninguém que ela já tivesse visto. Seu rosto estava parcialmente coberto por uma bandana, que escondia boca e nariz. Os cabelos castanhos estavam bagunçados, com alguns fios grudados na testa pelo suor. Mas a característica mais marcante daquele rosto era também a mais evidente, dois oceanos. Quando quem quer que fosse desgrudou os olhos dos de Samira, ela lembrou-se da guerra que lutava para sobreviver. Rapidamente pegou no punho do homem e afastou-o. Percebeu, para seu desespero, que deixara a arma cair enquanto se engalfinhava no chão com o Corvo.

Merda, praguejou sem que a voz saísse pelos lábios. Apertou os olhos com força, frustrada, e apurou os ouvidos. Esperava ouvir os cochichos dos Corvos, mesmo aqueles passos secos no piso frio, mas não ouvia nada. Ela espiou por detrás do cubículo para onde fora arrastada. A luz tímida agora piscava como se logo fosse apagar, e ela conseguiu ver Andy, parado como uma estátua, no exato lugar para o qual ela o jogara. Seu olhar se cruzou com o do irmão. Ela leu a expressão em seus olhos: puta merda!, ou qualquer palavrão do gênero. Só não sabia se se referia ao crânio do Corvo explodido, a quase terem sido pegos, ou ao homem de olhos ordinários que ainda estava a centímetros de Sam, abaixado ao seu lado.

Ela tornou a olhar para frente. O homem não a fitava dessa vez. Ele levantou-se e obrigou-a a fazer o mesmo, colocando-a de pé ao puxá-la por um de seus cotovelos. Daria tanto para conseguir se comunicar com ele sem falar nada. Queria perguntar-lhe como ele chegou ali, se existia outra saída.

Para seu alívio, como se lesse seus pensamentos, ele tornou a olhá-la. Sam perdeu o ar com a incerteza da confiança. Ele, centímetros dela, parecia compartilhar da mesma sensação. Entretanto, apontou com a cabeça para o lado direito, convidando-a a segui-lo.

Bastou uma rápida decisão e Samira voltou os olhos à procura do irmão, vendo que este já saíra de seu esconderijo e rumava em sua direção, não sem antes pegar a arma da irmã, caída ao lado daquele cadáver de Corvo que sangrava.

Com o irmão e a arma de volta aos seus cuidados, ambos tomaram a estranha decisão de seguir aquela figura desconhecida pelo labirinto de drywalls. É mais fácil quando as decisões não tem que vir de você, Sam pensou. Se tomassem uma bala na cabeça, a última coisa que faria seria culpar o dono dos olhos azuis que seguiam.

Hora e outra eles paravam, estagnados pelo braço estendido do homem, sob o frígido passo dos Corvos nos cruzamentos que se seguiam. A arma tremia na mão de Samira. Ela não queria usá-la. Era diferente do CT. Percebeu que, qualquer que fosse a preparação que tentassem adquirir dentro daquele cubículo que era o abrigo, nada se comparava àquilo. A guerra de verdade era assustadora e, por mais que tentasse não transpassar isso para o irmão, Andy via a silhueta de Sam tremer, o ombro quase chacoalhar com o peso da arma.

Foi quando enxergaram a luz no fim do túnel.


Nunca o vislumbre do batente de uma porta fora tão sedutor. Para onde ela levava, não sabiam. Só sabiam que era um lugar escuro e desimpedido. Talvez a fuga da qual tanto precisavam.

Samira soltou o ar, exasperada. Estavam perto o suficiente para correr até ela, mas os cruzamentos incontáveis daquelas paredes baixas era o suficiente para mantê-la alerta. Por instinto, segurou no punho de Andy, como se pronta para correr com ele em direção à porta.

Olhos de CorvoOnde histórias criam vida. Descubra agora