Seria muito ridículo se ele segurasse a mão dela para atravessarem o túnel? Eric estava com aquele pensamento besta na cabeça, alimentando-o para obrigar-se a não pensar em mais nada.
Nada tão meloso quanto um passeio no parque, mas... algo como um entrelaçar de falanges, algo que mostrasse o afeto que ele sentia agora, em uma urgência de quem está com a morte respirando no cangote.
Samira Sabino era uma das mulheres mais fortes que ele já conhecera, e não precisava pensar muito para ter certeza disso. De soslaio, ele a via cortar a escuridão com aquele pouco mais de um metro e meio, cabeça erguida e cabelos ruivos frisados e, mesmo com as lentes a esconderem seus verdadeiros olhos, Eric via a determinação estampada na face dela.
Só queria ficar mais perto.
Se tivesse que se classificar, ele não diria ser um romântico. Talvez porque todas as relações que teve – adolescência, faculdade, abrigo – foram nada mais que casuais, um coraçãozinho ou outro quebrado aqui e ali, mas nunca o dele. Entretanto, algo na mulher andando ao seu lado sobre os trilhos de uma estação abandonada o deixava fascinado a ponto de pensar que, se tivesse a devida oportunidade, se apaixonaria por Samira Sabino como uma mosca cai em uma teia de aranha – subitamente, sem querer, um deslize e ele já estaria deixando uma gaveta vazia em sua cômoda para ela guardar as coisas dela.
Isso se a vida fosse outra.
– O que foi? – ela perguntou, quando sentiu que ele a olhava por muito tempo.
Eric balançou a cabeça e colocou os pensamentos no lugar.
– Nada – respondeu.
Samira respirou fundo. Olhou para um lado, para um Mateus cabisbaixo, e pensou em lhe dizer algo. Um pedido de desculpas que na verdade não devia ou algo do gênero. Tinha um inconsciente medo de morrer brigada com as pessoas ao seu redor.
Ao invés disso, voltou-se para Eric. Preferia continuar conversando com ele.
– Obrigada por ter vindo.
O sorriso que desenhou-se no canto dos lábios dele foi um balde de conforto na cabeça perturbada da mulher.
– Parecia ter um plano – Eric disse.
Samira riu com escárnio.
– Parecia, é?
O riso dele não desmanchou-se, contrastado com a carranca de Mateus ao lado. Ele pensou antes de responder.
– Na verdade, não – murmurou. – É por isso que não ia deixar você vir sozinha.
Porque você é maluca, impulsiva e apaixonada, sempre acha que precisa salvar todo mundo e não, não parecia que você tinha um plano, Samira, mas eu amo todas essas características insanas suas.
– Qual sua ideia, Samira? – Mateus finalmente perguntou, mostrando sua voz depois de tanto tempo.
Ela ergueu as sobrancelhas para ele, apontando sem querer a lanterna em seu rosto. Os olhos de Corvo falsos brilharam, mas Mateus não os fechou. Tinha a expressão séria, mas não colérica. Queria realmente ouvir o que ela tinha a dizer, sabendo que parte disso vinha de uma leve culpa interna por tê-la contestado segundos antes, quando, na verdade, Sam tinha sua razão.
Samira mordeu o lábio discretamente ao voltar o tronco para frente, um hábito teimoso que ia e vinha. Não achou que tivesse uma resposta, mas esta escapuliu:
– Nós andamos até a estação de onde eu vim, saímos por lá.
– E aí?
– Eu não pensei longe, ok? – ela admitiu, uma pontada de frustração na voz. – Precisamos ver como está lá em cima.
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Olhos de Corvo
ActionDas cenas que sua mente não bloqueou, cuja memória Samira guarda com carinho, entram as íris caramelo de seu pai na última vez em que ele a olhou no olho. Daquele dia em diante, aprendeu a preciosidade daquele gesto, o olho no olho, íris na íris. Fo...