Tomas Steve não foi trabalhar naquela manhã, o que, por algum motivo, deixou Samira Sabino ainda mais nervosa do que se ele tivesse ido.
Se Tom estivesse sentado ao seu lado, esboçando a falsa cordialidade e o olhar dissimulado, ela conseguiria monitorá-lo. Se ele estivesse ali, significaria que não estaria investigando sua vida ou indo à polícia ou contando a todo mundo que tinha algo de muito errado com Amanda Castro, a nova secretária pessoal do prefeito, e que todos tinham que desconfiar dela.
Não quero saber, Amanda, ele diria, com uma venenosa insinuação de parceria no tom de voz. Se precisar me contar porque seu rosto está cheio de cicatrizes, pode me contar, eu vou ouvir, não precisa mais mentir. Depois, eu te jogo na fogueira pelas suas mentiras.
Mas Tomas Steve não deu as caras.
– Laura? – Sam chamou a senhora que passou em sua mesa naquela manhã a fim de deixar os relatórios financeiros para Leonardo Rossi.
– Sim?
– Sabe de Tom?
Laura esbanjava uma falsidade que Sam não sabia se era apenas pelo excesso de maquiagem no rosto da mulher com pelo menos sessenta anos, ou pelo jeito como ela falava. Uma mistura de ambos, talvez. E ela o fez de novo assim que Sam mencionou Tom. Laura esboçou uma cara triste e olhou para baixo.
– Ah, o coitadinho... Nem deveria estar aqui, se quiser saber minha opinião.
Sam não queria.
– Ah, sim – ela concordou. – As pessoas superam suas dificuldades de formas diferentes, eu acho.
– Enfurnar-se no trabalho e deixar a pobrezinha da esposa em casa?
E aí estava o veneno, Sam pensou.
– Bom...
– Não sei do homem, Amanda, querida, mas se quiser saber minha opinião – de novo, Sam não queria –, espero que ele esteja em casa cuidando da pobrezinha.
Pobrezinha, que adjetivo infeliz.
– É, com certeza.
Samira sorriu, e Laura a deixou ali. A conversa não levou a lugar nenhum, e o dia foi rodeado pela mais desesperadora ansiedade, e todos os cenários possíveis passaram-se pela sua cabeça, cujos desfechos nenhum era bom.
Debaixo da mesa, Sam calçou os tênis e jogou os saltos de lado. Que invenção horrível, aqueles sapatos.
Ela livrou o caminho para as escadas de emergência e guardou o estilete no tênis. Só assim conseguiu fazer o dia passar, e a notícia de que estavam investigando o desaparecimento de três Corvos que ela sabia muito bem onde desovaram os corpos não deixou nada mais fácil.
Parecia que seria um dia normal – ou o mais normal que aqueles dias pudessem ser.
Ela faria o trabalho do prefeito, fingiria que era a secretária perfeita que sabia esconder bem as merdas da gerência, e tudo caminharia bem. Leonardo Rossi amava Amanda Castro e Samira sabia ser Amanda Castro.
Parecia que seria um dia normal, pena que não foi.
Samira adiara seu horário de almoço, em uma tentativa de esperar a fome bater para comer. A fome não veio e o dia passou.
Talvez ela só estivesse paranoica. Seu lado cismado dizia para ela não sair dali, do lado do prefeito. Tomas deve estar escondido no corredor ao lado esperando você sair para contar a todo mundo os seus segredos. Ele sabe ele sabe ele sabe.
Era três e quarenta e cinco da tarde, então, quando ela decidiu que precisava comer, mesmo que o estômago não aceitasse nada. Sair para a rua, que seja. Um sol na pele seria bem-vindo.
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Olhos de Corvo
ActionDas cenas que sua mente não bloqueou, cuja memória Samira guarda com carinho, entram as íris caramelo de seu pai na última vez em que ele a olhou no olho. Daquele dia em diante, aprendeu a preciosidade daquele gesto, o olho no olho, íris na íris. Fo...