Tomas Steve teve a infância mais feliz que uma criança poderia pedir.
Era um garotinho amado e amável, e isso sempre foi.
Tinha uma de suas primeiras lembranças muito claras. Devia ter seus cinco, seis anos. Era um dia de escola e ele estava se arrumando, aprendendo a ganhar a autonomia de se vestir por conta própria e, sozinho, apenas ouvindo a mãe o pai voando pela casa com a correria matinal, olhava para o espelho do quarto.
Se perdeu ali, no próprio reflexo. Ele tocou o cabelo, as bochechas, o nariz.
– Tom – a mãe chamou. Lili era linda, desde sempre. Pelo reflexo no espelho, o menininho a olhou. – O que está fazendo, querido?
– Por que meus olhos são diferentes dos seus e dos do papai?
Lili ergueu as sobrancelhas em surpresa pela indagação, mas logo elas voltaram ao lugar, e a mulher abriu o mais caloroso sorriso. Aproximou-se, abaixou-se ao lado dele e colocou o rosto ao lado do de Tom, para que eles olhassem juntos para o espelho.
– Acha diferentes? – ela provocou.
– Sim.
– Como?
O pai passava pelo corredor na hora, e parou para olhar a conversa. Clarke cruzou os braços e apenas assistiu à cena.
– Os seus são assim, com essa bolinha colorida.
– Colorida?
– É, marrom.
– É verdade, Tom, e os seus?
– Os meus são pretos. Não tem essa parte branca que vocês tem.
– Também é verdade.
– O meu amigo Thi tem os olhos do pai dele.
Lili o abraçou, tentando espremer mais daquele pequeno cérebro sempre trabalhando.
– Nossos olhos são diferentes, Tom, tem razão, mas olha esse nariz – ela apontou para o próprio. – Reconhece?
– É igual o meu! – O menino gritou, como se fosse uma grande vitória.
Lili riu.
– E essas orelhas aqui, Tom – ela apertou gentilmente o lóbulo das orelhas do filho –, são iguais às...
– Do papai!
– Iguaizinhas. – Lili sorriu para o marido pelo espelho, que retribuiu. – Nossas semelhanças estão nas pequenas coisinhas, querido.
– Somos iguais, mamãe?
Tomas Steve não lembrava a resposta. Às vezes esforçava-se para lembrar, mas não vinha nada.
Não voltou a pensar naquela cena por anos, até o dia em que um telefonema na madrugada o acordou, ainda em seu loft com a ex-namorada, na época. E a avó Lena lhe contou que aquela pequena diferença nos olhos dos pais os tinha sentenciado a não verem o dia seguinte.
Tomas queria se lembrar o que a mãe respondeu.
Somos iguais, mamãe?
Na sua cabeça, ela respondeu que sim. É claro que sim. E lhe deu um beijo na cabeça e ovos mexidos no café da manhã.
Seu nariz era igual ao dela, suas orelhas eram as do pai, mas os olhos...
Os olhos foram o detalhe que fez com que Lili e Clarke não estivessem lá.
Na época, ele não pôde lutar por eles.
Mas, agora, lutaria por Olivia.
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Olhos de Corvo
ActionDas cenas que sua mente não bloqueou, cuja memória Samira guarda com carinho, entram as íris caramelo de seu pai na última vez em que ele a olhou no olho. Daquele dia em diante, aprendeu a preciosidade daquele gesto, o olho no olho, íris na íris. Fo...