36. Por Quem Lutar

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Tomas Steve teve a infância mais feliz que uma criança poderia pedir.

Era um garotinho amado e amável, e isso sempre foi.

Tinha uma de suas primeiras lembranças muito claras. Devia ter seus cinco, seis anos. Era um dia de escola e ele estava se arrumando, aprendendo a ganhar a autonomia de se vestir por conta própria e, sozinho, apenas ouvindo a mãe o pai voando pela casa com a correria matinal, olhava para o espelho do quarto.

Se perdeu ali, no próprio reflexo. Ele tocou o cabelo, as bochechas, o nariz.

– Tom – a mãe chamou. Lili era linda, desde sempre. Pelo reflexo no espelho, o menininho a olhou. – O que está fazendo, querido?

– Por que meus olhos são diferentes dos seus e dos do papai?

Lili ergueu as sobrancelhas em surpresa pela indagação, mas logo elas voltaram ao lugar, e a mulher abriu o mais caloroso sorriso. Aproximou-se, abaixou-se ao lado dele e colocou o rosto ao lado do de Tom, para que eles olhassem juntos para o espelho.

– Acha diferentes? – ela provocou.

– Sim.

– Como?

O pai passava pelo corredor na hora, e parou para olhar a conversa. Clarke cruzou os braços e apenas assistiu à cena.

– Os seus são assim, com essa bolinha colorida.

– Colorida?

– É, marrom.

– É verdade, Tom, e os seus?

– Os meus são pretos. Não tem essa parte branca que vocês tem.

– Também é verdade.

– O meu amigo Thi tem os olhos do pai dele.

Lili o abraçou, tentando espremer mais daquele pequeno cérebro sempre trabalhando.

– Nossos olhos são diferentes, Tom, tem razão, mas olha esse nariz – ela apontou para o próprio. – Reconhece?

– É igual o meu! – O menino gritou, como se fosse uma grande vitória.

Lili riu.

– E essas orelhas aqui, Tom – ela apertou gentilmente o lóbulo das orelhas do filho –, são iguais às...

– Do papai!

– Iguaizinhas. – Lili sorriu para o marido pelo espelho, que retribuiu. – Nossas semelhanças estão nas pequenas coisinhas, querido.

– Somos iguais, mamãe?

Tomas Steve não lembrava a resposta. Às vezes esforçava-se para lembrar, mas não vinha nada.

Não voltou a pensar naquela cena por anos, até o dia em que um telefonema na madrugada o acordou, ainda em seu loft com a ex-namorada, na época. E a avó Lena lhe contou que aquela pequena diferença nos olhos dos pais os tinha sentenciado a não verem o dia seguinte.

Tomas queria se lembrar o que a mãe respondeu.

Somos iguais, mamãe?

Na sua cabeça, ela respondeu que sim. É claro que sim. E lhe deu um beijo na cabeça e ovos mexidos no café da manhã.

Seu nariz era igual ao dela, suas orelhas eram as do pai, mas os olhos...

Os olhos foram o detalhe que fez com que Lili e Clarke não estivessem lá.

Na época, ele não pôde lutar por eles.

Mas, agora, lutaria por Olivia.


Olhos de CorvoOnde histórias criam vida. Descubra agora