Bruno Escarpano parecia ter por volta dos quarenta anos, o que era jovem, dado que uma década atrás fora procurado pelas maiores organizações internacionais por fraude e falsificações de documentos. Passou cheques sem fundo, ganhou dinheiro em cima de gente ingênua que nem sabia como era possível lhes passar a perna tão facilmente. E voltou para se esconder no Brasil quando a coisa apertou. Falsificou um passaporte, comprou uma passagem para o Rio de Janeiro e embarcou pouco antes das coisas apertarem e a guerra com os Corvos estourar.
Escarpano tinha um plano de ação – criar raízes no interior de Santos com o nome de Dante Mingroni e nunca mais dar as caras como Bruno. E foi tão fácil para ele forjar sua nova identidade que pensou que poderia, realmente, esconder-se a vida inteira. Mas David o achou. Na época era chefe de segurança do presidente de Chiaroscuro e, sendo um dos alvos mais procurados do mundo naquele ano de 2013, era de se esperar que chamasse atenção. Olívio Meyers, presidente de Chiaroscuro, tinha outros planos para Bruno Escarpano. Quando denunciaram reconhecer uma face semelhante às que aparecia no jornal da noite com o título de PROCURADO na pacata cidade de Santos, David pessoalmente correu para descobrir quem, na verdade, era Dante Mingroni.
Ao invés de ser preso, Bruno Escarpano recebeu uma proposta: não ficaria em Nóvora, por hora. Não teria a vida segura que o governo de Chiaroscuro tanto queria para os homens de olhos pacatos. Entretanto, seguiria David para as catacumbas. Livre, mas não tanto.
– Senhor, se me permite a pergunta – David indagou ao presidente na época –, por que levar um criminoso como Escarpano para nosso bunker em Havenna?
– Porque, David – com a sabedoria acumulada que levava junto aos cabelos brancos, Olívio respondeu-lhe, apenas levantando os olhos de suas tarefas na mesa para fitar seu chefe de segurança –, sei reconhecer habilidades úteis quando as vejo. E, em algum dia, se quisermos trazer todos os nossos para cá, Bruno Escarpano será útil.
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Bruno tinha o cabelo ralo, a barba por fazer, e uma leve barriga que não parecia condizer com o resto do corpo magro e longilíneo. Em nada parecia-se amedrontador ou intimidador. Era apenas um homem normal, à primeira vista, mas Samira deslumbrou-se com a precisão com que ele trabalhava.
Os seis escolhidos para o trabalho estavam em volta da mesa de trabalho de Escarpano, que parecia não se importar com a plateia. Ele olhava por uma lupa, os óculos na ponta do nariz, escorregando com o suor. A lupa tinha uma regulagem e, com a mão esquerda, ele a aproximava, focava e desfocava. Com a direita, segurava precisamente uma pinça. Bruno tinha um papel de documento sobre a mesa. Seis deles, precisamente. Em branco, apenas esperando os registros falsos que ele inseria com perfeição, usando uma boa impressora, uma pinça, caneta, e com o todo o cuidado para aquilo ser verossímil. Amassava uma ponta de um documento propositalmente, dobrava outro ao meio e desdobrava, e fazia parecer que eram gastos e não novos.
Os seis tiraram fotos em fundo branco, as lentes de contato nos olhos, e ele agora as colocava nos documentos com os nomes e dados falsos que Louis criou precisamente para eles.
Samira via seu rosto ser moldado em um papel pequeno com fundo azulado, ao lado do nome de Amanda Castro Silver e as informações de uma vida que ela começaria a levar em breve.
Um dia. Malas feitas. Só esperavam ordens.
David os encarava na sala de Bruno. Ele e Louis estavam mais afastados, e Lou lhe mostrava tudo o que coletara para a nova vida daquelas pessoas.
Mas a pergunta que mais lhes gritava na cabeça era óbvia e não precisava ser verbalizada. Se fossem fazer aquilo, se fossem viver vidas como Corvos, pelo tempo que fosse, precisavam primeiro se infiltrar. Passar pelas fronteiras. E o como, aquele pequeno gigantesco detalhe, era uma pedra no sapato. Se David já tinha as resposta, as escondia muito bem.
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Olhos de Corvo
AksiDas cenas que sua mente não bloqueou, cuja memória Samira guarda com carinho, entram as íris caramelo de seu pai na última vez em que ele a olhou no olho. Daquele dia em diante, aprendeu a preciosidade daquele gesto, o olho no olho, íris na íris. Fo...