26. Arco de Luso

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Era inverno em Pyongyang, 1979.

Shin Jisoo assumia o lugar do pai como sucessor na presidência. O pai, com seus castanhos olhos pacatos, casou-se com uma mulher de olhos negros de Corvo, e Jisoo foi o primeiro imperador de olhos de Corvo a assumir o posto.

Dentro da Coreia, sob suas ordens, o mundo conheceu o caos que vira acontecer só uma vez na história, quando um alemão nazista decidiu que a raça ariana era superior, anos antes. Jisoo decidiu que os Olhos de Corvo eram a supremacia, a solução para a decadência mundial, um passo a caminho da paz. E, para a paz que pregava, rogou por sangue e extermínio de quem tinha olhos ordinários.

Em 1983, um jovem casal de refugiados da guerra na Coreia desembarcou em Ponta Porosa, Brasil, e criou morada em Pedra Branca, cidade vizinha. A mulher, grávida de oito meses, teve o filho naquela nova terra que a recebeu de braços abertos.

Em 1983, Shin Jisoo foi morto por um revolucionário em pleno céu aberto, enquanto recebia as condecorações pelo sangue que derramava. Quando Jisoo morreu, a Guerra abafou-se e sufocou até morrer com ele.

Em 1984, em uma cidade pequena no interior do Brasil, Choi Miho nasceu.



– Não é possível, cara! – Miho riu, dando mais um gole no café com gosto de queimado que ele e Lucas ganharam de cortesia no posto da esquina. – Você e a Marcela estão há o que, três, quatro...?

– Quatro – Lucas concordou, os olhos negros do Corvo voltados para a rua enquanto dirigia a viatura da polícia.

– Quatro anos juntos e nunca conversaram sobre isso? – Miho indagou, por fim.

Miho abaixou o som do rádio e aproveitou para ver as horas no visor: duas e doze da manhã. Era dia quinze de março. O ano, 2013. Miho e Lucas eram acostumados com a ronda noturna, mesmo que, por muitas vezes, não fosse fácil.

Eram ambos policiais jovens. Miho, na época, tinha seus vinte e nove anos, e Lucas, trinta e dois. Eram amigos desde a academia de polícia e continuaram parceiros quando ingressaram para a Polícia Militar.

Não era uma vida fácil. Miho, com vinte e nove anos, vira merdas que só compartilhou com seu terapeuta. Era um homem solitário, mas gostava da vida que levava.

Os pais de Choi Miho voltaram para a Coreia em 2005, quando a guerra já fora completamente abafada e o assunto era um tabu por lá. Miho quis ficar e fazer a vida. Teve duas namoradas. A primeira, com dezessete anos, que partiu seu coração quando o deixou porque, segundo ela, eles já não se divertiam mais. A segunda, com vinte e dois, que o deixou quando ele ingressou para a polícia e todo o seu foco afundou-se no trabalho. Depois dela, apenas lances casuais, de uma noite ou uma semana, e ele estava satisfeito com isso. Estava satisfeito com a vida. Tinha um trabalho em que lutava pela utopia de fazer a diferença, tinha amigos, tinha o sexo casual, as mulheres de vez em quando para preencher o vazio da cama, e ele era, sim, feliz com o estilo de vida que adotou para si.

Depois de xingar a segunda namorada por tanto tempo, percebeu, enfim, que ela estava certa: naquele estilo de vida não cabia ela. Não cabia mais ninguém.

Lucas, por outro lado, queria casar, ter filhos, ter a vida que via nos comerciais de margarina. Mas nunca falara sobre isso com Marcela, com quem dividia a cama há, ao que parece, quatro anos.

– Eu achei que era o sonho dela também, cara! – Lucas, com seus quase 1,80, era um homem magro e esguio, moreno em concordância com os olhos negros. E ele e Miho eram uma inseparável dupla. Não foi a guerra na Coreia, há tanto tempo e tanta distância, que o fez gostar menos do amigo pelos olhos que tinha. – A Ma tem uma cara de... mãezona, não tem?

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