50. O Cruzeiro

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Primeiro, Louis se sentiu corajoso.

Era o caçula de dois irmãos mais velhos que pegavam no seu pé. Sempre fora magricela, pequeno, um chorão. Um bebê sensível, uma criança assustada.

Foi talvez o que o salvou dez anos antes, quando conseguiu enfiar-se no minúsculo ático de sua casa quando os Corvos vieram. Ele ouviu sua família morrer.

Quando Mateus virou-se para ele e lhe pediu apoio para ingressar em uma possível missão suicida, orgulhou-se de dizer que sim. Hesitou só um segundo, e depois disse sim.

Sempre foi religioso, e rezava mesmo quando todos perderam desse hábito.

Acreditava que, assim que os soldados o matassem, iria para o mesmo lugar que os pais e os irmãos, e eles veriam o quão corajoso ele foi.

Mas, merda, agora só se sentia tão estúpido.

Era o gênio de David, e não pensou naquele pormenor tão óbvio!

– Mat – ele cochichou, tão baixo que não sabia como o amigo tinha o ouvido. – Temos que sair daqui.

Mateus balançou a cabeça, negando.

– Por onde, Louis?

– Eu preciso entrar naquele navio!

Primeiro, Mateus achou que ele estava tendo uma crise de pânico e arrependimento. Depois, leu em seus olhos, mesmo camuflados, que tinha algo mais surgindo naquela pequena mente brilhante.

– Me conta.

Estavam sozinhos no quarto andar. Era uma questão de tão pouco tempo até os soldados os cercarem e os matarem, mas eles teriam ganhado aquele tempo para os seus. Estava implícito quando aceitaram, juntamente com todos os outros no edifício, que as chances de saírem dali eram quase nulas.

Seriam os mártires lembrados pelos que sobreviveram.

– Acho que consigo pedir ajuda.

As sobrancelhas de Mat se cerraram em dúvida.

– Do que está falando?

– Se eu tiver acesso ao rádio daquele cruzeiro, eu tenho acesso às redes de transmissão deles. E, se eu conseguir decodificar o sinal de Nóvora, eu posso-

– Pedir reforços – Mateus terminou a frase por ele. Suas sobrancelhas ergueram-se em surpresa. Sentia-se ainda mais estúpido que o amigo por não ter pensado naquilo. – Consegue fazer isso?

O breve silêncio que irrompeu entre eles tornou possível ouvirem os soldados adentrando o prédio.

Não tinha saída ou esconderijo. Poderiam lutar, mas seriam dois contra dezenas.

Mateus não esperou uma resposta. Se alguém tinha a mísera chance de conseguir pedir ajuda, era Louis.

Louis, que o encarava com olhos negros, mascarados por uma película falsa que o fazia ter a cara do inimigo. Os olhos dos soldados que agora chutavam a porta.

Lágrimas frustradas brotaram nos olhos de Louis quando ele percebeu que não tinha como sair dali. Estavam no quarto andar de um prédio sem saída.

Era questão de tempo até entrarem pela porta.

Mateus Caldas olhou pela janela.

Quando ele tinha sete anos, injustamente conheceu a dor.

Aquele mar bradava na encosta, violento, sem pudor.

Lembrou-se do que Camile disse.

Não tenho medo de nada.

Mas, ele tinha. Tinha medo do mar há décadas.

Olhos de CorvoOnde histórias criam vida. Descubra agora