Doze dias voaram.
Era dezenove de dezembro, e as ruas de Luso dançavam com o clima natalino.
Marchinhas, grupos de coral, luzes, fantasias de Papai Noel, propagandas de famílias felizes assando tender.
A vida depois daquele dia continuou, como os sobreviventes previram, como se nada tivesse acontecido, e o fantasma de um menino de olhos-pacatos nas ruas da cidade perfeita agora com certeza morto foi apagado.
Zoe Guerreiro sentou-se no parapeito da janela da cafeteira, olhando os barcos passando no porto. Enquanto entornava um café com leite já frio – que Drica preparou para ela sem que ela pedisse –, pensava no que teria acontecido. Se os que viram a criança de olhos-pacatos foram apenas ludibriados de que nada viram, de que era uma brincadeira de mau gosto ou coisa do gênero, ou silenciados com dinheiro ou, quem sabe, ameaças. Algo aconteceu.
Zoe, por dois dias depois daquilo, insistiu para que fossem atrás do menino, mas só arrumou discussão.
– Ele já está morto, Zoe! – Mat bradou quando cansou-se dela. E talvez fosse verdade.
De qualquer forma, já tinham se arriscado demais àquele ponto, e as novas peças no quebra-cabeça que eram Tomas, Debby e Olivia agora deixavam os encaixes ainda mais difíceis e, por consequência, o jogo tornou-se ainda mais perigoso.
A verdade é que Zoe Guerreiro estava com uma ansiedade sem fim – talvez não devesse estar tomando café – com a ideia de que veriam David no dia seguinte. O plano já estava formulado e ela não fazia parte dele mas, mesmo assim, precisava que desse certo. Precisava que estivessem bem em Havenna, e que entregassem a Raquel a mensagem de que ela estava bem em Luso.
Aqueles dias, sem exceção, eram pura ansiedade.
– Ei – Zoe reconheceu a voz de Drica. Ela estava na porta da cafeteria, a qual Zoe nem percebeu quando abrira, mergulhada nos próprios devaneios. Tinha os cabelos loiros presos em um coque alto, e logo alcançou o cigarro quando aproximou-se e se sentou do lado da colega de apartamento.
– Se importa? – Drica indagou, já com o isqueiro aceso e o cigarro entre os lábios.
– Me importo.
– Foda-se.
Zoe riu um riso seco, que arrancou um de Drica também. Ela soprou a primeira fumaça, e a nicotina logo entrou no corpo, necessária àquele ponto.
– Como está? – Zoe perguntou, distraidamente rodando o copo descartável de café nas mãos. Olhava para a mulher de soslaio.
Drica balançou a cabeça.
– Nervosa – respondeu.
– Por que vai ver seu pai?
– Porque vou contar pra ele que temos aliados inusitados. – Drica estalou o pescoço. Mais um hábito ruim que estava sem pressa de perder, somado a vários cujas contas perdia.
– Eles já se mostraram úteis – Zoe lembrou. – Ele vai entender.
Drica bufou.
– David pode ser bem cabeça-dura às vezes. E você?
– O que tem eu?
– Por que está nervosa?
Zoe riu para o chão.
– Acha que estou nervosa?
– Dá pra ver do outro quarteirão.
A mulher fitou o horizonte. Já estava se tornando uma rotina que não queria abandonar. Esperava que tivesse uma cafeteria no porto de Nóvora para ela sentar e acalmar-se com o quebrar das ondas, mesmo que a ideia dessa pacificidade em um lugar severamente protegido lhe soasse inusitada.
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Olhos de Corvo
ActionDas cenas que sua mente não bloqueou, cuja memória Samira guarda com carinho, entram as íris caramelo de seu pai na última vez em que ele a olhou no olho. Daquele dia em diante, aprendeu a preciosidade daquele gesto, o olho no olho, íris na íris. Fo...