8. Primeiro Ela

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O sol despontava no horizonte, iluminando seus passos. O céu era de um azul límpido, com poucas nuvens a pincela-lo. Andy sonhava com aquele momento – o cheiro do ar puro, o pisar na grama do lado de fora daquela prisão em que viveu durante mais da metade de sua vida.

Entretanto, naquele instante, não aproveitava nada do sonho de liberdade. Andy corria mais rápido do que achou possível correr, mais rápido do que seus pés descalçados aguentavam e do que seus joelhos cansados permitiam. Mas ele nunca olhou para trás. De alguma forma, sabia que não estava sendo seguido. Orava para que não estivesse sendo seguido. E, ao mesmo tempo, as lágrimas e os soluços que emitia não eram nada discretos, e sequer enxergava o caminho que fazia. Os joelhos e as mãos conheceram o chão de cascalhos diversas vezes, mas ele sempre se levantava, não sabendo o que mais o motivava – chegar a Benji com os medicamentos e fazer a viagem não ter sido em vão, ou fugir das memórias tão recentes de Samira em seus últimos segundos.

Samira. O peito doeu, engasgou, o ar faltou. Não aguentava mais correr, e a cidade parecia ser muito mais longa do que fora horas antes, quando chegaram, cheios de vida e esperança. Voltar sozinho era uma ferida aberta, e Andy não mais aguentava sustê-la só.

Ele entrou nas ruínas de um bairro esquecido pelo tempo, como toda aquela cidade, e abrigou-se na primeira porta aberta que Romã lhe mostrou. Era uma casa humilde, incrustrada na periferia da cidade, com cheiro de pó e vida deixada para trás. Os olhos de Andy se acostumaram aos poucos ao breu, até ele fechar a porta e encostar-se na parede. E o choro tomou-o como uma criança. Samira não estava lá para consolá-lo.




Os últimos passos em Pedra Branca eram lamúrias arrastadas, como se Andy carregasse o maior fardo do mundo em suas costas. Dezessete anos, e o fardo da guerra era tão grande que sentia que, assim que entregasse os medicamentos nas mãos de Carlos, a dor o sufocaria. Mas ele continuava em frente. Descuidado, até. Às vezes, com pensamentos obscuros a cruzarem-lhe a parte mais profunda da mente – queria que o encontrassem. Queria ter uma desculpa para tomar o repugnante comprimido de cianeto no bolso da calça. Queria saber o que Samira sentiu antes de morrer. E, no entanto, abanava a cabeça quando esses emergiam, culpava o sol forte a enlouquecê-lo, e seguia pé ante pé. O cenário começava a ficar familiar e, assim que os viu chegando, Andy desabou outra vez. Não precisava ser forte sozinho.




Jon amaldiçoou aquele pirralho por tê-lo feito se expôr ao mundo em plena luz do dia. Era arriscado, imprudente e, mesmo assim, assim que Zoe o avistou pelo binóculo e antes mesmo de Raquel mandá-lo, puxou Miho para as ruas em direção a Andy, um adolescente que se arrastava por Pedra Branca, sem ao menos tentar esconder-se.

Quando Jon e Miho chegaram a ele, Andy já não tinha mais forças nas pernas. O loiro pegou a mochila de suas costas, e Miho amparou-o, colocando um dos braços do menino sobre seus ombros. Andy chorava.

A noite em Pedra Branca foi intensa, longa, desesperada, e o caos logo se espalhou. Dois deles tinham fugido, indo a campo sem autorização. Isso nunca acontecera em dez anos.

Jon queria estar furioso. Estava furioso, olhando Miho arrastar Andy aos prantos para a entrada do prédio. Ele ficou ali, estagnado, olhando em volta, procurando por alguém que pudesse tê-los seguido, qualquer indício de que não estavam seguros. No fundo, por sua vez, sabia porque não conseguia seguir em frente. Jon olhava para o caminho que Andy percorrera sozinho. Sozinho. Samira não voltou com ele.

Olhos de CorvoOnde histórias criam vida. Descubra agora