25. Adrenalina

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No aniversário de quinze anos de Zoe Acarina Guerreiro, fez-se o dia mais quente do ano de 2012 em Pedra Branca.

Diferente de qualquer garota de sua idade, Zoe não quis uma festa de debutante.

– É uma tradição retrógrada que o patriarcado impôs para apresentar jovens de quinze anos para uma sociedade que esperava que elas fossem boas mães, esposas e donas de casa e que o capitalismo usa até hoje para vender festas exuberantes que pagariam um ano da minha faculdade.

Raquel Guerreiro a olhava com descrença, mas, ao invés de dizer "Jesus, eu só perguntei se queria uma festa de quinze anos", Raquel deixou o riso preso no canto da boca e perguntou:

– Posso ao menos fazer um bolo?

Era sete de outubro de 2012, então, e Raquel fez um bolo de abacaxi com coco para vinte pessoas. Eram dez para o meio dia quando viu-se correndo para o mercado para comprar mais um ou dois, porque Zoe tinha convidado mais gente do que lhe contara.

Foi um dia fervoroso, em que os termostatos da rua alcançaram trinta e cinco graus, com sensação térmica de pelo menos quarenta, e os moradores de Pedra Branca esbaldaram-se em sorvetes e banho de piscina. Mais especificamente, da piscina de Zoe Guerreiro.

Beto e Stella Sabino estavam com os dedos enlaçados ao passear pela rua de casa. Stella usava um bonito chapéu vermelho e um macacão jeans. Beto abusava do protetor solar, principalmente no rosto e nas sardas. Em seu colo, Benji reclamava de calor, as pernas do bebê balançando sob o sol. Stella e Beto faziam a retaguarda dos filhos. Andy acabara de fazer sete anos no mês anterior, e levava embaixo do braço o boneco do Batman que ganhara de seus pais, prometendo que não ia perdê-lo na festa de Zoe. E Samira, com treze anos, pedira para Stella fazer uma única trança em seus cabelos ruivos. Usava um vestido verde pastel leve, sandálias nos pés, e um biquíni vermelho por baixo da roupa. Maquiara-se com as coisas da madrasta. Um batom forte demais para seu rosto de criança, um delineador que tomou meia hora de seu tempo, e até tentara fazer as sobrancelhas, a vaidade batendo na porta com a pré-adolescência.

Zoe mal deu atenção a Sam quando os Sabino chegaram. Foi simpática, claro, como sempre. Disse a ela para ficar à vontade, comer sanduíche de metro e mergulhar na piscina, mas Sam não gostava de atum, menos ainda de azeitona e não quis tirar o vestido do corpo esguio, e Zoe desapareceu por horas entre amigos da escola, anos acima de Sam, e a menina nunca sentira-se tão excluída.

Zoe era popular. Estava deslumbrante em seu biquíni de crochê branco, a pele negra beijada pelo sol como se fosse filha dele. Pelo menos cinquenta colegas da escola estavam em sua casa, desfrutando do desespero de Raquel para suprir um bando de adolescentes esfomeados.

Samira não se encaixava em lugar nenhum. Nem nas conversas dos adultos, nem nas brincadeiras das crianças, nem nas rodas de adolescentes. Trocava o peso de um pé para o outro ao lado da piscina, pensando se tirava o vestido e pulava na água sem vergonha do corpo que se formava, mas a barriga dava voltas, pontadas de dor.

A menina correu para o banheiro e, lá, quando limpou-se com o papel, viu sangue.

Ela sabia o que significava. Todas as amigas já tinham tido a primeira menarca e ela queria estar feliz por finalmente estar se tornando uma mulher, ou o que quer que aquilo significasse, quando na verdade aquilo doía e incomodava e não parecia normal em nada sangrar daquela forma.

Sam respirou fundo e, branca como papel, saiu do banheiro, lágrimas envergonhadas no canto dos olhos, e deu de cara com a aniversariante.

O sorriso constante de Zoe desmanchou-se ao ver o semblante da amiga.

– O que foi, Sami?

E quem melhor para conversar do que Zoe? Era sua amiga mais velha, a quem perguntava sobre meninos, sobre beijos e coisas que ela só ouvira falar. Dois anos, quando se tem treze, é uma diferença imensa.

Olhos de CorvoOnde histórias criam vida. Descubra agora