15. Gente Como A Gente

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Eric fez o que David pediu. Reuniu todos eles no que costumavam chamar de Arena, uma pequena saleta onde no centro dispunha-se uma mesa e, ao redor, bancos em formato de arquibancada.

Havia uma hierarquia ali dentro, todos sabiam. Reconstruir uma sociedade requer que tenham um líder e esse alguém era, sem dúvidas, David. Naquela sala, David tinha reuniões com diferentes equipes. Os engenheiros, para debaterem a estrutura das catacumbas, as obras que se sucederiam, a expansão do espaço e sua necessidade; os soldados – os homens e mulheres treinados como as armas que precisavam caso tudo aquilo desmoronasse –, para discutir as rotas de fuga, os planos de ação; os biólogos e cientistas para trabalharem incessantemente em alternativas proteicas e bombas de vitaminas para que aquelas pessoas que não viam sol e comiam tão pouca carne pudessem se manter saudáveis, e por aí seguia. Mas, sem dúvida, o núcleo mais importante era aquele, presente agora naquela sala, porque David confiaria a vida a eles se fosse preciso sem nem pestanejar.

Mateus era jovem, ao ver de alguns. Já tinha seus trinta anos, beirava os trinta e um, mesmo que os cachos aloirados lhe dessem um ar mais jovial. Era a cabeça dos soldados, o porta-voz. Foi ele quem planejou o resgate de Eric e foi ele quem fez questão de entrar para tirá-lo pessoalmente.

Louis era um tipo inteligente. A ideia dos painéis fotovoltaicos foi dele, com apenas dezenove anos, dez anos atrás, quando viviam à base de velas nas sufocantes catacumbas. Também sugeriu os exaustores. E liderou o engenho destes todos. Era por isso que estava ali. Um pequeno prodígio.

Drica era subestimada. Pensavam que a mulher estava ali apenas por ser filha de David, e que seria facilmente substituída. Mas Drica era a cabeça por trás da organização daquelas mil pessoas dentro do abrigo. Onde dormiam, o que comiam, se precisavam de algo. Era a mediação entre os doentes e os remédios, os famintos e as comidas. Drica era uma mulher linda, de cabelos loiros quase brancos, de chamar a atenção. Estava sempre com a feição fechada, a postura de quem precisava provar o porquê de estar onde está.

E, por fim, Eric. Eric era o médico, o único, o que não descansava um instante, o que sempre tinha algo para fazer, para aprender, para ensinar. E ele amava aquela pressão. Odiava o quanto a amava, também.

Os quatro eram os braços mais importantes de David, e David era o que fazia aquilo funcionar. Eram grandes amigos, que cresceram juntos naquele lugar.

Quando Eric não voltou de Romã, o mundo deles desabou. Mas só por um instante. Era de praxe que iriam atrás dele. Não deixariam-no nas mãos daqueles Corvos sem antes lutar. Então, o sofrimento durou pouco. Ferragni estava em casa, outra vez, um pouco quebrado, mas inteiro o suficiente. E, por mais que quisessem ter conversado sobre tudo aquilo, não conseguiram tempo.

Quando Eric retornou, branco feito papel, a primeira a recebê-lo foi Drica. Ela pulou em seus braços, o abraçou com força e cuidado, xingou-o de todos os nomes que conhecia, e guiou-o pela mata de Sierra às camufladas catacumbas. Deu-lhe comida e água e tremia ao vê-lo bem, porque pensou o pior durante todo o tempo em que foi obrigada a ficar esperando que retornassem da missão mais perigosa a qual propuseram-se. Então, Mat correu por corredores com uma mulher ruiva praticamente inconsciente nos braços, lutando para sobreviver. Mat gritava pelo nome de Eric, e este sabia que precisavam dele. Sua dor esperaria um pouco mais.

Mat entrou na enfermaria, colocou o corpo da mulher sem muito cuidado sobre a cama, e esperou que Lou entrasse, seguido por Eric e Drica. E fecharam a porta, porque Laila veio correndo atrás deles, perguntando por Eric.

Costuraram-na, estancaram o sangue e, quando ela dormiu um sono seguro, Drica arrumou-lhe roupas confortáveis e limpas. Monitorou-a enquanto cuidava de Eric.

Olhos de CorvoOnde histórias criam vida. Descubra agora