Já passava das duas da tarde quando Mateus Caldas estacionou o carro corporativo em frente ao restaurante Central da Estrela, perto da praia, na avenida principal de Luso.
Era sua hora de almoço, mas estava sempre de prontidão no celular para caso o prefeito chamasse.
Surpreendeu-se com a ligação de Drica, uma hora atrás.
– Pode me encontrar?
Pela voz dela, era urgente, e ele viu-se incapaz de recusar, por mais que a dor de cabeça o estivesse matando aquele dia.
Assim que desceu do carro, viu-a. Drica era um tipo difícil de não encontrar. Os cabelos loiros quase brancos eram uma característica marcante, ainda mais com aquela luz de meio de tarde, quando o sol era ainda forte.
Mateus e Drica tiveram um lance, nenhum dos dois nunca escondeu, mas se falaram disso uma vez foi muito. Eram jovens, poucas opções, e bastante bêbados naquela noite, para se dizer de passagem. Mat acordou na cama dela. Mas, como o bunker não passava de uma cidade pequena e principalmente, sem fofocas, a notícia espalhou-se como um vírus. Mat usou de toda sua maturidade para olhar na cara de David depois daquilo.
Drica era sim, linda, e ele lembrava-se bem daquela noite, mas sabia que foi um caso isolado de bebedeira. Teve medo que parassem de se falar, mas de alguma forma a intimidade de uma noite descompromissada tornou-os grandes amigos. A única regra, a qual nenhum deles mencionara mas era muito explícita e clara, era a de que nunca falariam sobre isso.
Ela atravessou a rua até ele, as mãos no bolso, e Mat viu a apreensão estampada no semblante da mulher.
– O que aconteceu? – ele perguntou, antes mesmo que ela o alcançasse.
Drica pegou em seu braço e o levou em direção ao calçadão.
– Está com fome? – ela indagou, graciosamente mudando de assunto.
– O que aconteceu, Dri- – ele estagnou ao nome verdadeiro dela. Não queria chamá-la pelo nome falso, bem como não podia chamá-la pelo verdadeiro.
A mulher, então, pôs-se a andar ao lado dele como se fossem apenas dois amigos com tempo livre e a conversa não fosse da natureza que era.
Ela fitava o chão, mas Mateus não tirava os olhos dela, esperando por uma resposta. Então, ela veio:
– Se livrou bem da van, Mat?
Há mais de um mês atrás, Mateus Caldas dirigiu sozinho por mais de duas horas até a cidade vizinha, onde enfurnou-se em um bosque perdido em uma cidade do interior e saiu da estrada. Era noite, e ele tomou o cuidado de não cruzar o caminho de ninguém. Quando chegou ao rio, testou sua profundidade. Quase congelou depois de cair na água e decidir que era fundo o bastante.
Não tinha nada por lá. Nem civilização, nem animais para caçar, nem uma flora para cultivar, nem bons peixes para pescar, ele fez tudo certo. Mateus soltou o freio de mão e, com algum esforço, empurrou o carro até que ele pendesse sozinho e mergulhasse no rio.
Nenhum sinal da van. Ele tomou o cuidado de verificar se nada lá dentro poderia incriminá-los, caso a encontrassem. Ele pensou em todos os pormenores.
Foi o que contou para Drica quando ela relatou o ocorrido daquela manhã: as investigações sobre os três homens desaparecidos começaram.
Não queria ter que metê-la nisso, mas ela insistiu. Agora, era um segredo de duas pessoas. O mais intrigante é que as costas dele pareciam pesar menos depois que lhe contara tudo, mesmo que o baque de estarem procurando por culpados para o crime deles tenha sido grande.
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Olhos de Corvo
AksiDas cenas que sua mente não bloqueou, cuja memória Samira guarda com carinho, entram as íris caramelo de seu pai na última vez em que ele a olhou no olho. Daquele dia em diante, aprendeu a preciosidade daquele gesto, o olho no olho, íris na íris. Fo...