16º Capítulo "2 meses e 4 dias depois..."

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"2 meses e 4 dias depois..."

– Mãe... – murmurei tão baixo que, pela distância que nos separava, com certeza não me escutou.

Se é que o que via era mesmo real. Ainda pensava que estava vendo coisas quando, de repente, percebi alguém passando um braço ao redor dos ombros dela.
Era o meu pai. Eu acho. Ele estava diferente. Aliás, ambos estavam muito diferentes da última vez que os vi.
Balancei a cabeça, absolutamente certo de que estava ficando louco.

Achei que tinha tomado muito Chablis para uma só noite. Virei o rosto e passei as mãos pelos cabelos. Fechei os olhos com força e inspirei todo o ar que meu pulmão permitiu. Depois, soltei-o devagarzinho.

Tomando coragem, voltei a observar os fantasmas do meu passado: para minha surpresa, ainda estavam lá, porém se aproximavam lentamente, como se estivessem receosos.
Minha mãe chorava não tão silenciosamente. Seus gemidos e soluços foram aumentando na medida em que ficava mais próxima.

Fechei e esfreguei os olhos, tentando parar de ver miragens. Quando os abri de novo, de nada havia adiantado.

Quando mamãe desistiu de se aproximar devagar e praticamente se atirou em meus braços, chorando e falando coisas ininteligíveis por causa dos soluços constantes, percebi que não estava sonhando.
Aquilo acontecia.
O impossível estava acontecendo.

– Meu filho! Meu filho... Meu filho... – ela gritava desesperadamente.

Apertando-me a carne, ficando na ponta do pé a fim de passar seus braços no meu pescoço. Inclinei-me no impulso, e então ela começou a me beijar no rosto. Suas lágrimas quentes se encostaram a minha pele.

– Meu filho, me perdoa... Perdoa a sua mãe. Estou tão orgulhosa de você, meu filho. Como está lindo!

Suas palavras vieram acompanhadas de um desespero completo, uma urgência que mal pude assimilar. Eu ainda estava estático, o choque absoluto não me permitiu sequer abraçá-la de volta. Só o fiz quando senti que também estava chorando.
Assim que a envolvi em meus braços, achei que o mundo poderia acabar: eu morreria feliz e satisfeito. Pleno. A felicidade havia me encontrado e então nada mais poderia exigir da vida, pois seria absurdo e impensado que pudesse existir algo que eu quisesse que não fosse o que tinha naquele instante.

Nada falei. Apenas chorei baixinho nos braços da minha mãe, com olhos fechados e os dentes se apertando um contra o outro com bastante força. Toda a dor de anos simplesmente foi embora. Pensei que seria impossível me livrar dela depois de sofrer tanta rejeição – a raiva, o orgulho e a incapacidade de perdoar se dissiparam, e então só queria a minha família de volta.

Foi pensando nisso que ergui meus olhos, observando por trás dos ombros de mamãe. Meu pai nos encarava de perto. Ele estava tão mais velho! O cabelo outrora grisalho agora parecia algodão de tão branquinho. Mais rugas haviam surgido aqui e ali, a aparência cansada aumentou consideravelmente.

Papai me olhou seriamente quando o observei. Não falou nada. Manteve o rosto rígido, fechado e impassível, como sempre.
Eu sinceramente poderia lhe dizer mil coisas: enumerar todos os absurdos que fez comigo, jogar na sua cara toda a tristeza que senti o tempo todo por causa de sua rejeição, falar o quanto o achava detestável, sei lá, mandá-lo embora. Mas não pude. Não dava.
Poderia tê-lo feito, mas tudo mudou de um segundo para o outro.

As peças do meu quebra-cabeça interno se modificaram a partir do momento em que ele ergueu uma mão e apertou meu ombro. Provavelmente o gesto mais carinhoso que me ofereceu em pelo menos quinze anos. Sua expressão se tornou uma careta profunda com milhares de rugas sobressaltadas. E então seus olhos profundos ficaram brilhantes por causa das lágrimas que ele teimaria não derrubar até o fim. Aquilo só me fez chorar com ainda mais força.

The Trip  "Danisa"Onde histórias criam vida. Descubra agora