Vinte e Oito

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Bruna Dias.

Estou deitada na cama da UTI, cercada por máquinas que monitoram cada batida do meu coração. As luzes brilhantes do teto parecem distantes e irreais. Minha mente flutua em um estado de escuridão profunda, como se estivesse presa em um pesadelo eterno.

Não posso sentir meu corpo, apenas uma sensação de vazio e dormência. Minhas lembranças estão embaralhadas, uma mistura confusa de momentos antes do tiro e fragmentos de minha vida. Às vezes, ouço vozes distantes, vozes familiares preocupadas comigo, mas elas são como ecos distantes em um túnel sem fim.

É como se estivesse flutuando em um abismo, esperando para ser trazida de volta à consciência. Encontro-me em um mundo estranho e surreal, onde as fronteiras entre o real e o imaginário se dissipam. Às vezes, vislumbro flashes de lugares que parecem familiares, mas que têm uma aura mágica e etérea.

Vejo-me em um jardim encantado, com flores que brilham como joias e borboletas que dançam no ar. Às vezes, estou flutuando sobre um oceano de estrelas, rodeada por constelações que formam padrões que parecem sussurrar segredos do universo.

Outras vezes, encontro pessoas que não vejo há anos, conversando comigo em idiomas que não reconheço, mas compreendo perfeitamente. Esses encontros são como reuniões de almas perdidas, e as palavras que trocamos transcendem o tempo e o espaço.

É um lugar onde as regras da física não se aplicam, onde posso voar sem asas e tocar a música da vida com as mãos nuas. Essas visões são um refúgio da escuridão do coma, um reino onde a magia e a imaginação reinam supremas, e onde eu sou livre para explorar os cantos mais profundos da minha mente.

Estar nesse estado, sem poder me mover, falar ou ver o que está acontecendo ao meu redor, é uma experiência aterrorizante e angustiante. Sinto-me como uma prisioneira da minha própria mente, aprisionada em um corpo que não responde aos meus comandos.

A impotência é avassaladora. Quero gritar, quero dizer às pessoas que estou aqui, que posso ouvi-las e compreender, mas sou completamente silenciada. Cada pensamento, desejo e emoção está trancado dentro de mim, incapaz de encontrar uma saída.

A sensação de isolamento é esmagadora. Perco a noção do tempo e do espaço, e tudo se funde em um borrão. Às vezes, tento mover um dedo, piscar os olhos, qualquer coisa para mostrar que estou aqui, mas meu corpo permanece teimosamente imóvel.

O mundo ao meu redor continua girando, as pessoas vêm e vão, e eu sou uma espectadora impotente. O medo de ser esquecida, de nunca mais retornar à vida que conhecia, é uma sombra constante que paira sobre mim.

É uma experiência solitária e assustadora, e eu anseio desesperadamente pelo momento em que poderei romper essa barreira e voltar a ser parte do mundo exterior.

...

Uma semana depois

Kaio Gomes.

Uma semana ja se passou, precisei pagar um hospital particular para a Bruna, venho todas as noites aqui ficar com ela, não consigo e não posso deixar ela sozinha.

Fui mais cedo em casa, tomei banho, deixei tudo no jeito na boca com os menor e voltei para cá, era o único lugar que eu conseguia ter paz, ao lado dela.

O Manchinha está no morro, preso lá em cima, todos os dias eu vou lá assim que saio daqui e faço ele sentir cada dor que a Bruna sentiu e tá sentindo, e quando ele está prestes a morrer, reanima ele, prometi que ia ser doloroso e vai ser até ela acordar e decidir o que tem que ser feito.

Os médicos disseram que ela perdeu muito sangue, a bala perfurou o intestino, fizeram mais de uma cirurgia nela, e fez várias transfusões de sangue, dizem os médicos que ela pode acordar a qualquer momento, ou não.

Quando eu vi ela lá, estava toda machucada, cheia de hematomas, que inclusive ainda permaneciam nela, eu só queria poder voltar no tempo e impedir ela de ir naquela praia.

Me sentei ao lado dela na cama, peguei em sua mão e comecei a fazer o mesmo que todos os dias, conversar, falar e falar enquanto ela está dormindo, eu só queria ter a certeza de que ela está me ouvindo e que ela sabe que eu to aqui.

- Oi minha vida, cheguei. - Beijei a mão dela. - Ta todo mundo com saudade, e eu preciso de você, acorda, você prometeu voltar pra mim, faz uma semana que você me deixou aqui.

Passei os dedos no rosto dela que estava calmo e sereno, apertei sua mão e encostei a testa no braço dela, comecei a orar, faço isso todas as noites desde quando ela ficou assim, por que por mais que eu seja o que sou, Deus não pode fazer ela sofrer, me castiga, mas ela não, ela nunca foi alguém ruim como eu.

Estava tudo quieto no hospital a não ser pelos aparelhos ligados a ela, meu celular tocou e olhei para a tela, Carla me ligando e atendi.

- Fala pirralha. - Ela sorriu do outro lado.

- Como ela está?

- Na mesma ainda, mas os médicos dizem que em questão clínica ela teve uma melhora, as transfusões estão fazendo efeito. - Respondi e ela suspirou do outro lado.

- Amanhã vou ver ela, fica bem, tá? - Assenti e desliguei.

Me ajeitei deitando na poltrona ao lado dela e segurando sua mão, meus pensamentos voam quando fico aqui com ela, voam lembrando tudo o que vivemos nos ultimos dias, o quanto o jeito maluco e surtado dela me faz falta.

Deita no meu leito e se demora;
Na vida só resta seguir;
Um risco, um passo, um gesto rio afora.

Na vida só resta seguir;
Um ritmo, um pacto e o resto rio afora.

Dama da Maré (Morro)Onde histórias criam vida. Descubra agora