Capítulo Catorze. - O antigo ele.

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Não olhar para Dylan sentado no final da sala estava sendo, cada vez mais, uma tarefa impossível. Desde daquele dia no deposito as suas palavras ecoam em minha mente. " Se você soubesse, seria você a se afastar". O que ele quis dizer com isso? O que eu não deveria saber?

Sempre consegui ler Dylan, mas agora, ele me parece um enigma.

Que saudades dele. Do antigo ele.

 Hannah, responde a chamada! — Eva me catucou.

— Presente, professor. — levantei a mão.

Ótimo, estava mais uma vez viajando na maionese.

— Você anda muito desatenta ultimamente. — Comentou ela.

— O meu TDAH deve estar atacado.

— Sei...

Ela não acreditou na minha desculpa esfarrapada, tenho certeza. Nem eu acreditaria.

Dês daquele dia não consigo tirar Dylan da minha cabeça. Quero entender. O entender. E com isso as lembranças me invadem. Momentos felizes, momentos tristes em que ele esteve ao meu lado. Eu me lembro de tudo. Eu me lembro de como ele era.

Não demorou muito para que o sinal tocasse, indicando o fim de mais um dia escolar. Brad me pediu para esperar por ele no portão da escola, e assim eu fiz. Ele foi buscar o carregador que emprestou a um colega de outra sala. Nós decidimos voltar andando todos os dias agora. Brad disse que gosta de caminhar comigo. Só de lembrar já sorrio.

Os cabelos de Thalita entraram em meu campo de visão e, só aí percebi que estava no mundo da lua novamente.

Thalita tinha uma queda por Dylan no fundamental, mas ele nunca deu bola pra ela. Às vezes eu me perguntava a razão dele sempre ter a rejeitado, ela é muito bonita. Seus cachos sempre estão perfeitos, até parecem serem feitos a dedo. Seu rosto é delicado, e a sua pele negra sempre está perfeita. Acho que ela nunca deve ter tido uma espinha sequer na vida. Essa garota é um arraso. Uma verdadeira deusa.

Meus olhos acompanharam todo o seu trajeto até o outro lado da rua. E, posso jurar que paralisei quando vi a pessoa quem ela abraçou. Era Dylan. Ele sempre odiou contato físico de pessoas com quem ele não tinha intimidade. Porquê ele está a abraçando agora?

Eu era a sua garota preferida para abraços.

Será que eles estão saindo? Ele não a abraçaria por nada. Bom... o antigo Dylan não faria isso.

Por que estou sentindo um aperto no peito? Estou com ciúmes? Não, não estou. E se eu estiver, é ciúmes de amizade. Ainda posso sentir, não é?

Desviei o olhar assim que ele olhou em minha direção. Não quero que leia o que estou sentindo. Será que ele ainda consegue me ler?

Será que todos esses dias que ele sumia depois da escola era porque estava com ela? Faz sentido. Eles até que combinam.

— Vamos? —Brad apareceu no portão, tirando-me de meus devaneios.

— S-sim.

Brad olhou pro outro lado da rua e depois para mim.

— Você está bem? — ele parecia preocupado.

— Por que eu não estaria? — forcei um sorriso, e nós começamos a caminhar. Ele não falou mas nada, até que estivéssemos afastados da escola.

— Sabe que pode desabafar comigo, não é?

— Desabafar... sobre o que?

— Eu te conheço à anos, sei que está com ciúmes dele.

— Ciúmes?! — disse incrédula.

— Hannah, não precisa esconder. Sei que você sempre foi apaixonada por ele.

O quê?! Ele estava falando sério? De onde ele tirou essas conclusões?

— Uou, você se precipitou! — gesticulei com as mãos.

— Me precipitei? Nos conhecemos à quase dez anos!

— Eu sei, mas eu nunca fui apaixonada pelo Dylan.

— Não? — Disse confuso.

— Não.

— Ele não era a sua paixonite secreta?

Não, era você.

Tive vontade de dizer, mas o medo falou mais alto, e eu travei.

— Por que você achou que era ele?

— Não é óbvio? — deu um riso anasalado.  — Sempre foi a Hannah e o Dylan.

— E o Brad.

— Sempre foram vocês, Hannah.

Não consegui digerir aquelas palavras. Parei de andar, e assim que percebeu, Brad fez o mesmo. Me aproximei dele, e tirei o cabelo que caia em seus olhos. Adoro o seu corte de cabelo estilo surfista.

— Você se sentia excluído?

Ele olhou pro chão, então, segurei em seu rosto, e olhei no fundo de seus olhos. Aqueles lindos e profundos olhos castanhos.

— Pode ser sincero.

— Às vezes... às vezes eu me sentia excluído. 

Naquele momento eu me culpei. Me culpei por o fazer sentir assim. Nunca foi a minha intenção. Nunca quis machucar o cara por quem sempre fui apaixonada.

— Eu sempre gostei de vocês dois igualmente.

Mentira. Falou a voz do meu subconsciente. De quem eu gosto/gostava mais? Eu definitivamente não sei.

— Sempre pareceu que vocês dois se conheciam mais. Parecia que a conexão de vocês era maior... — disse cabisbaixo.

Talvez realmente fosse, mas não é mais.

— Isso não é verdade.

— Você nunca foi apaixonada por ele?

— Não, eu nunca fui.

Ele deu um meio sorriso.

— Então, eu me enganei por todo esse tempo?

— Sim, você se enganou. — Sorri, e me afastei dele.

Nós voltamos a andar, e Brad cruzou os nossos braços. E como sempre, não consegui conter um sorriso.

— Então, me diz, porquê você estava com aquela cara de bunda quando viu ele com a Thalita.

— Cara de bunda? — Fiquei chocada.

— Sim, parecia estar com ciúmes.

— Eu só estranhei. Ele não era muito de contato físico com os outros, lembra?

— Como esquecer do velho Dylan? — Sorriu.

— Pois é... é estranho conhecer tanto alguém e não conhecer ao mesmo tempo.

— Sei como é.

— Ele mudou.

— Todo mundo muda.

— É verdade.

Todos podiam mudar, mas porquê justo Dylan?

Espero que Brad nunca mude, não suportaria perder ele também.

NÃO ERA VOCÊOnde histórias criam vida. Descubra agora