Tudo vai acabar

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Ele não parava de falar um segundo. E mesmo assim, por algum motivo... Eu parecia ser a única pessoa ali incomodada com isso. E estávamos num cinema, pelo amor de Deus. Assistindo o filme que todo mundo me perturbou por dias para passar no nosso movie night daquela sexta-feira. Isso, se era mesmo uma sexta.

Era de se esperar que as pessoas ficariam putas com ele também.

Mas, não. Todo mundo só estava com a boca cheia de pipoca, concentrados no telão com expectativa enquanto assistíamos Zumbilândia 2. Parece até piada.

Encarei o David de novo, sentado algumas fileiras à frente; sentado do lado do Charlie, inclusive: a única pessoa com quem ele parecia ter vontade de conversar ultimamente, ainda mais se eu estivesse presente; ainda mais agora que parecia que ele tinha desenvolvido um sexto sentido para saber quando eu estava olhando. Simplesmente adorava me aterrorizar com a cena. 

Como se ter só um Charlie na minha história já não fosse o suficiente. Agora eu tinha dois.

Bufei alto, cruzando os braços. E pelo canto do olho vi o Liam olhar para mim, sentado do meu lado. Mas não reagi. Só percebi o rosto dele se virar na mesma hora na direção da dupla na nossa frente. Entendeu tudo sem que eu dissesse nada.

A próxima coisa de que me dei conta foi ele vindo sussurrar na minha orelha - "Você vai ter um aneurisma de tanto usar essa cabeça".

"Ótimo" - Atirei.

Senti ele ainda olhando para mim. Esqueceu completamente do filme. Ou, no caso, achou um filme melhor para assistir - "Quando eu me envolvi, o estrago já estava feito com o David" - Sussurrou, num tom cauteloso - "Mas acabou. Eles não vão abrir a boca para mais ninguém, eu te prometi isso".

Encarei-o no escuro. A expressão preocupada, a pele clara, os olhos escuros e fixados que o faziam parecer gentil mesmo quando ele não era; mesmo quando eu mal podia ver o que realmente acontecia em seu rosto pela sombra dos seus cabelos que já passavam das orelhas.

"Não importa mais" - Respondi - "De qualquer forma, eles sempre vão ter esse trunfo sobre mim. Como eu sempre deixo acontecer, com todo mundo. E é isso o que me irrita profundamente".

"Bem, isso só tem um jeito de se resolver" - Comentou distraidamente, enchendo a boca de pipoca - "Você podia tirar esse trunfo deles contando para todo mundo você mesma".

O encarei de novo, sem acreditar no que tinha ouvido. E ele só me olhou de volta como se nem tivesse dito nada demais - "Está bem, é o seguinte então..." - Suspirei, achando graça - "Eu conto para todo mundo no dia em que você cortar seu cabelo. Que tal?".

Ele franziu a testa - "O que isso tem a ver com o que estamos falando?".

"Ué, as duas coisas têm muito em comum. Tipo o fato de que elas nunca vão acontecer".

Ele bufou e sorriu, também sem acreditar que eu tinha dito aquilo e também achando graça. Mas, para a minha surpresa, não fugiu do assunto como eu fiz. Largou o balde de pipoca e se levantou, me puxando pela mão através do escuro.

"Não, fala sério!" - Reclamei enquanto ele me arrastava para fora e todo mundo olhava, sem entender. Na verdade, nem eu tinha entendido direito, e olha que participei da conversa. Não podia ser o que eu achava que era. Seria muita sacanagem usar isso contra mim, e logo agora. Mas, aparentemente, Liam não dava a mínima. Como sempre.

Levou-me até o banheiro. E quando eu vi, ele já estava em frente ao espelho, com uma tesoura na mão... Suspirando enquanto olhava seu reflexo; quase que sentindo dor com a ideia de cortar aquelas mechas que já eram bem características dele. Sorri e estendi a mão, morrendo de pena - "Deixa que eu corto".

Polaris - Sobreviva ConoscoOnde histórias criam vida. Descubra agora