Ele está morto

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Estava chovendo quando cheguei.

A montanha inteira parecia estar submersa num barril de névoa que deixava tudo cinza; tudo frio; tudo vazio.

E eu bem que tive tempo de analisar esse cenário: a caminhada de volta pareceu durar uma eternidade. Afinal, eu me comprometi comigo mesma a não pensar... A não chorar mais... A não lembrar de nada. Péssima ideia. Só o que eu consegui foi sentir cada segundo se prolongando como que para zombar de mim, de propósito.

E por Deus, eu estava fora de mim o suficiente para me enraivecer não só com isso, mas com o que mais aparecesse no meu caminho; inclusive com a voz de alegria que de repente soou nos meus ouvidos. Alegria de verdade; um insulto de verdade; ainda que fosse só pela minha presença.

"Ela voltou!" - Karoline anunciou, para detrás de si, entre as árvores. E eu nem olhei para ela. Passei de cabeça baixa bem ao seu lado, sabendo que ela não me perguntaria nada, porque com certeza viu a minha expressão de longe, e soube que tinha coisa errada. Não ia fazer silêncio a respeito, é claro. Mas, precisava de alguns segundos para formular a pergunta certa. Como sempre fazia. Veio atrás de mim, me encarando como se eu fosse uma equação mal feita enquanto eu entrava na clareira.

Foi quando eu vi que todos estavam desmontando suas barracas e fazendo suas malas, do mesmo jeito que foi prometido que aconteceria: estavam deixando o topo para seguir viagem, sem mim, e sem o Tobias.

Bem... Deviam ter sido mais rápidos.

Fui passando pela multidão, enfim, sem parar de andar ao mesmo tempo em que todo mundo me examinava com um ponto de interrogação na testa.

Suspirei. Era questão de tempo até que algum corajoso botasse a cara para bater. E realmente não demorou.

"O que aconteceu?" - James se colocou na minha frente, com uma expressão preocupada, me forçando a parar. Meus olhos deviam estar inchados. Talvez tivesse sangue respingado na minha roupa. Não tinha como eu saber.

Mesmo assim, não respondi. Até porque não deu tempo. Outra pergunta se seguiu, quase que imediatamente.

"De quem é esse sangue?" - Dessa vez foi a Karoline, usando um tom que fazia parecer que ela já sabia a resposta.

Olhei para ela. E o que eu vi foi que o acampamento inteiro já estava me cercando, querendo saber o que aconteceu; inclusive a Alycia. Ela estava no meio. Escondida, mas estava; me olhando de longe, com os olhos vermelhos, como se estivesse me pedindo perdão em silêncio. Não aguentei aquilo.

"Pergunta para ela" - Soltei, acenando com a cabeça na sua direção. Todo mundo se virou. E de imediato, Alycia começou a chorar descontroladamente, como se estivesse segurando aquilo há dias. E realmente estava.

"Eu sinto muito, eu sinto muito, Elizabeth!" – Murmurou, sem ar, começando a tentar se aproximar de mim. Mas, a forcei a parar no meio do caminho com uma só frase.

"Se eu fosse você não faria isso" - Alertei-a, com a voz dura, sem conseguir me comover nenhum pouco com as lágrimas dela. E não que fosse pessoal; a sensação que eu tinha, na verdade, era só que eu nunca mais ia me comover com as lágrimas de ninguém.

"Que história é essa?" – Insistiu o James - "O que que ela fez?".

Suspirei e revirei os olhos - "Nada. Me deixa passar" - Pedi, já que ele ainda estava na minha frente. E mesmo assim, ele não deu a mínima; continuou bloqueando minha passagem.

"Onde é que está o Tobias, Elizabeth?" - Karoline perguntou uma segunda vez, agora com um tom frágil e partido. Ela sabia; sabia, mas queria me ouvir dizer.

Polaris - Sobreviva ConoscoOnde histórias criam vida. Descubra agora