Não me lembro de como chegamos ali. Não lembro de ter me sentado naquela cadeira, diante daquela mesa redonda, ou de ter entrado na sala de jantar da minha casa em Denton. Quando vi, já estava lá. Com o Noah sentado à minha esquerda, meu pai à minha direita, e minha mãe na minha frente. Os três de cabeça baixa, mexendo em seus pratos em silêncio.Olhei para baixo também, por reflexo, e encarei o prato branco de porcelana entre meus pulsos. Carne assada, ervilhas, batatas. Odeio ervilhas.
Olhei para a minha direita. Meu pai parecia mais velho... Mais velho do que eu já o tinha visto na vida... Mesmo ele tendo morrido com 42 anos, agora ele parecia ter praticamente 50. Como se nada tivesse acontecido e ele tivesse voltado da guerra, sem nenhum arranhão. A barba estava densa. O cabelo, todo grisalho. A tatuagem que ele tinha no peito e que deixava uma das extremidades aparecendo na altura da gola da camisa agora parecia um tanto enrugada. Ele todo parecia ser uma nova pessoa que eu não conheci.
E minha mãe... Não tinha mudado nada. A mesma perfeição personificada, a pele lustrosa, o cabelo controlado, a expressão séria que dava a entender muito bem que ela estava pensando em equações químicas enquanto comia. Só uma coisa parecia estar fora do lugar: o celular dela não estava na mesa, ao lado da sua mão esquerda; nenhum dispositivo de comunicação à vista. Ela só estava jantando.
Meu irmão, por fim, só parecia maior. Não mais velho, não mais cansado, só maior. Os músculos com pelo menos o dobro de tamanho, e a pele um pouco mais marcada pelo sol. Mas, o estranho mesmo é que ele usava uma camiseta branca. E Noah nunca usava camisetas brancas, não em ocasiões comuns. Porque de um jeito ou de outro, mesmo que dissesse que não tinha nada para fazer durante o dia, meu irmão sempre se via envolvido em alguma grande tarefa manual que deixava a sua roupa toda suja. Mesmo que estivesse só saindo para tomar um sorvete, pode apostar que de algum jeito ele ia acabar debaixo de um carro consertando uma peça solta. Mas, aquela camisa, que ele usava agora, no entanto... Era mais clara que a própria luz.
Fiquei desconfortável. Todo mundo parecia estar errado de alguma forma. Será que eu também estava fora do lugar? Bem, meu prato estava cheio de ervilhas, podia ser isso.
"Como foi o treino?" - Noah me perguntou de repente, olhando para mim.
Eu não me lembrava... Eu treinei hoje? E mais importante que isso... Noah não estava lá para supervisionar a corrida e dar um milhão de palpites para o meu treinador?
"Foi bom" - Falei mesmo assim, desconcertada.
"Viu? Eu te disse que a sua perna não ia ser um problema para sempre" - Meu pai entrou na conversa também, me dando um sorriso.
"Minha perna?".
"Está bem, está bem, desculpa. Sua perna não tem problema nenhum, ela só... Como você diz? Opera de um jeito diferente agora".
Franzi a testa e olhei para baixo rapidamente, tirando da frente a barra da toalha de mesa que cobria o meu colo. E tomei um susto na mesma hora - Eu estava usando um suporte de equilíbrio metálico que ia do meu tornozelo até o meu quadril. E a minha coxa tinha só metade do tamanho que sempre costumou ter; parecia totalmente atrofiada e mirrada. Eu tinha ficado manca.
Não pode ser, eu tomei os antibióticos... Noah disse que se eu partisse naquele momento ia dar tempo; que eu não ia perder a minha perna se me apressasse. E eu me apressei. Fiz o que tinha que fazer. Era um sonho. Eu só podia estar sonhando, agora me lembro.
"Como isso aconteceu comigo?" – Perguntei, mesmo assim.
Meu pai olhou para mim de novo - "O quê?".
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Polaris - Sobreviva Conosco
Science-FictionMeu nome é Elizabeth Harlow. Sou uma sobrevivente do advento epidêmico que atingiu as metrópoles globais no dia 04 de Junho de 2023, às 02:16am, horário de Washington, há seis meses atrás. E vai ter que me desculpar se você descreveria o dia em que...