Bem-vinda de volta, encrenqueira

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Minha segunda tentativa foi mais tranquila. Dessa vez o meu cansaço superou a adrenalina de acordar num lugar desconhecido sob os cuidados de um estranho, e me tirou o poder de escolha - Despertei devagar, me dando a chance de respirar; de sentir cada músculo do meu corpo e me lembrar de que eu ainda estava ali. De que eu ainda estava viva.

A sensação acabou sendo pesada demais e exigiu tudo o que eu tinha - Gemi baixo, sem me importar se alguém ouviria; sem conseguir nem abrir os olhos de tão surrada que estava. Literal e figurativamente.

"Ellie?" - Uma voz mansa soou bem do meu lado, seguida de um afago sobre a minha cabeça. De imediato eu soube quem era; e meu corpo relaxou numa fração de segundo. Porque era simples. Se ele estava lá, então eu não estava sozinha; se ele estava lá, ninguém ia me machucar; se ele estava lá... Todos estávamos seguros.

Já abri os olhos suspirando de alívio. E, como eu esperava, encontrei o Liam sentado ao lado da minha maca. Ele segurou minha mão - "Você está bem. Todo o grupo está. Estamos num lugar seguro e tudo está sob controle".

De uma só vez ele satisfez todas as minhas dúvidas mais urgentes, me deixando mais aliviada ainda. Sorri levemente, piscando devagar na direção dele.

"Como está se sentindo?" - Sussurrou com expectativa, apertando meus dedos. Concentrei-me em meu corpo por um instante. E a verdade era que eu não estava sentindo absolutamente nada. Nenhuma dor, nenhum enjoo. Nenhuma febre. Eu estava nova em folha.

Como isso era possível?

"Melhor do que eu devia" - Respondi com confusão, tentando raciocinar. Mas ele não se apressou para me dar mais nenhuma resposta. Falou o que tinha em mente.

"Me deu um baita susto" - Sussurrou mais uma vez, concentrado - "Todo mundo pensou que... Que eu não ia conseguir te..." - Suspirou, desistindo do que ia dizer - "Jurei para mim mesmo que você ia me pagar por ter nos assustado daquele jeito, mas agora eu só... Não se cansa de me fazer de idiota?".

Dei de ombros e sorri - "Causo esse efeito nas pessoas".

"Eu que o diga".

"Desculpa".

"Consegue me ver bem?" - Perguntou calmamente, apertando mais forte ainda a minha mão, com um olhar nervoso. Lembrei de que essa tinha mesmo sido a última coisa que eu disse para ele; que eu não estava enxergando.

Esforcei-me - "O corte que eu fiz no seu rosto..." - Murmurei, levantando uma mão até seu queixo, completamente grogue - "Só agora eu percebi que ele sumiu".

"É..." - Ele suspirou, sem lutar contra minha mão ainda agarrada à sua barba - "Mas não se preocupe. Você ainda vai ter muitas outras chances de deixar cicatrizes permanentes em mim".

Sorri mais uma vez, por um breve instante, como se tudo estivesse bem e certo no mundo, mesmo que eu ainda não fizesse ideia do que tinha acontecido... Até eu notar o homem da bengala se aproximando por detrás do Liam. Aí meu rosto voltou a ser sério e calculista como sempre. Até porque eu ainda não tinha certeza se tudo aquilo não passava de um sonho ou uma alucinação.

"Bem, tem a cicatriz que você deixou na minha coxa, será que serve?" - O homem zombou, parando do meu lado também - "Porque ela com certeza vai ser permanente, se é esse o tipo de coisa que você curte".

Liam suspirou e apontou para ele - "Esse é o doutor Larson. Para encurtar, o chamamos de Doc. Foi esse cara que te operou".

"Operou?" - Perguntei, olhando-o de cima a baixo. Parecia um doido. Tinha cabelo grisalho grande e bagunçado. Olhos azuis e vidrados como se estivesse chapado. Usava um blazer. E jeans. Com tênis esportivos. Não que eu fosse o tipo de pessoa que julga os outros pelas roupas, mas... Eu julgava pelo menos pessoas que diziam ter me aberto com um bisturi enquanto eu estava inconsciente. Era meu direito.

Polaris - Sobreviva ConoscoOnde histórias criam vida. Descubra agora