Todo mundo estava olhando para mim como se já soubessem o que tinha acontecido.
Mesmo que não parecesse que nenhum dos brutamontes da excursão fosse inclinado a fazer fofoca, quando chegou o fim do dia, e voltamos ao acampamento, não havia mais ninguém que não estivesse me encarando de um jeito estranho. Mais estranho ainda que o normal - Porque talvez fosse uma questão de orgulho... Por minha causa estavam todos meio que ofendidos; confusos; tentando entender como eu pude entregar a minha vida daquela forma enquanto cada um deles estava dando o sangue todos os dias só para continuar respirando.
Bem, eu não queria morrer. Não queria mais. Por esse mesmo motivo fiquei sem reação ao ver a morte frente a frente pela primeira vez. Porque ela era horrível. E eu não era nada; nada forte o bastante para continuar zombando da cara dela por mais tempo - Era isso o que eu estava fazendo, afinal... Foi o que eu fiz quando segui o Heyden; foi o que eu fiz quando entrei naquele acampamento e ouvi todas aquelas pessoas me dizerem seus nomes; foi o que eu fiz quando pisei na blue road só para não ser expulsa de dentro de uma cerca no meio da mata. E por causa desse medo de perder aquelas pessoas desconhecidas foi que eu quase terminei com uma mordida gigante na cara.
Talvez Noah tivesse razão. Talvez eu tivesse mesmo mais chances sozinha. Talvez eu devesse seguir viagem e parar de palhaçada enquanto ainda havia tempo.
"Teve um dia e tanto, não é?" - Escutei alguém comentar distraidamente enquanto chegava perto de mim na clareira; olhei para cima e vi Stefan se aproximando de repente, e se sentando num tronco na minha frente.
A expressão no rosto dele era inconfundível. A mesma cara que o meu pai fazia quando descobria que eu tinha matado aula, mas por algum motivo ainda queria que eu confessasse antes de me acusar. Aí eu entendi para onde a conversa ia.
Com certeza Stefan também já estava sabendo o que houve. Ótimo.
Abaixei a cabeça e continuei a trocar meu curativo. Ele suspirou.
"Leah tinha uma irmã mais nova" - Soltou de repente, chegando mais perto, olhando a paisagem em volta enquanto falava ainda mais baixo que o normal - "O nome dela era Annie... Muito jovem, quase uma criança. E mesmo assim as duas pareciam irmãs gêmeas porque estavam sempre juntas. Tomando as dores uma da outra... ".
Então, ele parou e olhou para mim, encarando meu rosto bem no momento em que eu me perguntei por que ele estava me contando aquilo agora.
"Ela morreu há dois meses" - Concluiu - "Numa excursão para um bairro pequeno no interior... Porque precisávamos de balas".
Abaixei a cabeça de novo. Finalmente entendi onde ele queria chegar com aquilo... E não gostei de onde foi.
"Leah perdeu a família para conseguir a mesma munição que ela gastou para te defender hoje... Entende isso?" - Disse, como se fosse a coisa mais normal de todas, tocando-me com o ombro de leve antes de completar - "Se não entende, eu traduzo: quer dizer que você importa para a gente, novata... Independente do fascismo do Heyden, ou de quantos milhões de canibais estejam no seu rastro. Eu sei que essas coisas podem ser bem assustadoras, mas estamos juntos nessa, está bem?".
Tentei não olhá-lo nos olhos. Realmente tentei. Porque eu sabia que se eu olhasse, choraria ali mesmo... E eu não podia fazer isso. Não podia, de jeito nenhum. Então, não olhei. Continuei de cabeça baixa, encarando meus dedos, torcendo para ele se dar por vencido o suficiente para voltar para seus amigos do outro lado da cerca; os que pelo menos ficariam com ele até o fim da caminhada. Ao contrário de mim, pelo que eu já me dava conta.
Antes isso o tivesse detido.
"Só pensa nisso" - Sussurrou ao se pôr de pé devagar, me fazendo achar que ele estava pronto para me deixar sozinha de novo, até que simplesmente se virou e pousou a mão de leve sobre a minha cabeça, afagando meus cabelos rapidamente, como se não quisesse realmente se afastar, mas precisasse. Assim, Stefan fez minha mente explodir em um milhão de déjà vus; com um milhão de Noahs no meio.
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Polaris - Sobreviva Conosco
Science FictionMeu nome é Elizabeth Harlow. Sou uma sobrevivente do advento epidêmico que atingiu as metrópoles globais no dia 04 de Junho de 2023, às 02:16am, horário de Washington, há seis meses atrás. E vai ter que me desculpar se você descreveria o dia em que...