Chegou a hora

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4 MESES DEPOIS

As pessoas não falam sobre isso. Mas, uma das coisas mais legais para se ter dentro de casa é uma cadeira de balanço.

Se o movimento repetido de para frente e para trás junto com o constante som baixo e agudo não te acalma, nada mais vai funcionar. Desista. As cadeiras de balanço são os berços dos céus.

Eu podia ficar ali por horas... Às vezes, até ficava. E esse, com certeza, era um desses dias - Desde o almoço que eu estava ali na varanda, balançando com um chá gelado na mão, de olhos fechados e o rosto apontado para cima, só esperando a próxima curva do vento.

Meu vestido era o culpado também; tão leve que me deixava leve; ficava fazendo um movimento de ondulação sem parar nos meus joelhos, quase me fazendo cócegas toda a vez que outra brisa passava pela varanda. Era como estar flutuando.

Bem melhor do que fazer isso por trás da janela – Agora, já não estava tão frio, dava para ficar do lado de fora sem tremer... A cada dia que passava, o ar esquentava um pouco mais. A hora estava chegando, devagar e constante.

Respirei fundo, sentindo cheiro de mato novo. Se eu me concentrasse bem, poderia ouvir até o zum zum de muitos mosquitos juntos ao longe. E grilos. E cigarras - No momento, todo o conjunto era uma sinfonia para os meus ouvidos. Lembro até que chorei quando um dia, por acaso, encontrei uma joaninha na pia enquanto lavava os pratos. Segurei ela com todo o cuidado em cima da minha unha do dedão e pensei: "Se uma coisinha frágil como você já tem coragem o bastante para sair de casa... As coisas devem estar boas lá fora".

E estavam mesmo. Lá fora e lá dentro, tudo estava perfeitamente bem. Eu estava precisando olhar em volta e me dar conta disso pelo menos uma vez na vida.

Entrei para comer alguma coisa. Descalça, cruzei a cabana num piscar de olhos e fui até a geladeira. Peguei pasta de amendoim e geleia. Descobri o pão fresco que estava em cima da mesa, puxei um prato, uma faca. Olhei para frente, distraída, enquanto montava tudo... E encarei a janela.

Não gosto mais dessas cortinas. Não combinam com o tapete de entrada e ficam esvoaçando até quase o teto com qualquer brisazinha que entra na casa. Hora de trocar. Verde claro. Liso. Com um pouco mais de peso dessa vez, não muito. Com certeza, devia ter algo assim na Home And Care. Eu podia ir lá hoje. Aproveitar para trazer lençóis novos também, e mais shampoo. E mais queijo, os frios já estão acabando.

Sentei para comer. Puxei as agulhas de tricô que deixei no meio da mesa e as luvas que eu tinha feito essa semana. Eu ainda precisava fazer uns acabamentos antes de dar para ela. A mulher ia detestar. E só o fato de eu ter certeza absoluta disso já me fazia rir baixinho enquanto tricotava.

Mais uma das melhores coisas para te deixar calmo, inclusive. Tricotar. Quem diria? Não que tricotar aliviava a ansiedade, mas que eu tricotava e que isso aliviava a minha ansiedade. Isso também me fez rir.

Estiquei as pernas sobre a mesa e me ajeitei melhor - Como eu sempre fazia, acabei parando um segundo e encarando a cicatriz na minha coxa, num V irregular. Era como se, de alguma forma, eu ainda esperasse que a qualquer momento eu olharia para ela e o ferimento estaria aberto de novo. Às vezes, até acordava de madrugada, tirava a colcha de cima de mim e acendia a luz para verificar... Talvez fosse esse o resultado da minha perna ainda não estar 100% e eu perder o equilíbrio constantemente, por vezes, caindo no chão. Enquanto eu não melhorasse fisicamente, também não melhoraria na minha mente. Mas, tudo bem. Por mais incrível que parecesse, essa era a menor das minhas preocupações.

Terminei os retoques. Coloquei as luvas debaixo de um pano em cima da mesa e voltei a comer, olhando para a porta aberta e para a floresta lá fora. Parecia que tinha sido em outra vida que eu estava do lado de lá, olhando para a cabana do jeito que eu olhava a floresta agora. Com receio. Sem saber o que fazer. Sem realmente querer entrar.

Polaris - Sobreviva ConoscoOnde histórias criam vida. Descubra agora