"Foi tudo culpa dela" - Sussurrei pela décima vez enquanto o Doc limpava o ferimento da minha cabeça.
Meus pés balançavam. A maca em que me sentaram era alta demais e eu não gostava da sensação; menos ainda da sensação de tomar pontos no crânio; menos ainda de não ter nada para fazer com as mãos a não ser apertar os joelhos, enquanto assistia o Liam andar de um lado para o outro no consultório em silêncio... Com aquela cara de preocupação que sem esforço me fazia acreditar que o mundo podia acabar de novo.
"Como ela pôde fazer isso?" - Sussurrei de novo, encarando o nada, completamente atordoada.
"Na minha opinião, ela não fez nada. E esse foi o problema, não é?" - Doc murmurou, concentrado no meu ferimento.
Respirei fundo. Levantei os olhos para o Liam de novo. Ele não tinha parado de olhar para mim desde que saímos daquele mercado; desde que me forçou a subir para fazer aquele maldito curativo. Em nenhum momento. E isso estava me deixando mais apreensiva ainda. Porque ele estava deixando claro que queria falar comigo, mas não conseguia encontrar uma brecha.
"Eles ficaram presos esse tempo todo" - Funguei, tentando me desvencilhar de todas as aquelas sensações e me concentrar em só uma - "Ela podia ter evitado isso. Se tivesse tido toda a coragem que diz que tem... Teria subido e descoberto eles. Poderiam estar vivos agora".
"Pensar assim não vai ajudar em nada a sua concussão" - Doc respondeu com uma linha na testa - "E não há mais o que fazer. Tudo o que vocês podem providenciar agora é um enterro digno. Se é que existe isso hoje em dia".
"Dá para você parar de andar? Está me deixando louca" - Soltei com a voz embargada, nem me dando ao trabalho de fingir que ouvi o que o Doc disse. E Liam parou, virando-se para mim, descruzando os braços.
"Eu estou te deixando louca? Eu? Finalmente estamos quites, então".
"Não".
"Não o quê?".
"Não vou me desculpar por ter... Ai!" - Soltei para o Doc, fazendo cara feia pela alfinetada brusca que ganhei.
"Foi mal" - Sussurrou.
"Quem disse que eu quero que você se desculpe?" - Liam recuperou minha atenção.
"Porque você está bravo".
"Eu não estou bravo, estou puto da vida! A gente tem que... Pelo amor de Deus, tem como você limpar logo esse sangue, Larson?" - Parou de repente, apontando para mim. A pancada que levei na cabeça deixou um rastro de sangue que chegava até meus ombros. Talvez por isso ele estivesse surtando.
"Não vai adiantar limpar se ela ainda está sangrando, tenho que fechar esse corte primeiro".
"Eu vou matar o David" - Grunhiu, voltando a andar como que para controlar o impulso de fazer uma besteira naquele mesmo instante.
"Depois de eu ter passado horas tentando salvar a vida do imbecil porque seu cão de caça aqui arrancou um pedaço do braço dele?! Nem vem!" - Doc reclamou, se distraindo de novo do que estava fazendo.
"Quer saber? Sai daqui" - Tomei a agulha da mão dele - "O Liam pode terminar, nos dê um pouco de privacidade antes que vocês dois me explodam de irritação".
"Estão querendo conversar sobre quem vocês vão matar e quem vão deixar viver, não é?".
Fiz uma careta - "O quê? Não!".
"Eu salvei sua vida, lembra disso".
"Doc, por favor...".
"Já sei, já sei... Sai" - Deu de ombros, limpando as mãos num pedaço de tecido - "Adoro receber visitas que vêm aqui só para me mandarem sair... Vocês são loucos".
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Polaris - Sobreviva Conosco
Science FictionMeu nome é Elizabeth Harlow. Sou uma sobrevivente do advento epidêmico que atingiu as metrópoles globais no dia 04 de Junho de 2023, às 02:16am, horário de Washington, há seis meses atrás. E vai ter que me desculpar se você descreveria o dia em que...