O dia em que íamos nos matar

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Warring Town funcionava para o nosso posto como uma espécie de caminho de escoamento.

Era uma cidadezinha que, antes do apocalipse, não devia ter mais de cinco mil habitantes; ruas largas, casas-modelo, construções históricas como a Igreja mais antiga do condado... E totalmente cercada por florestas protegidas por leis ambientais. Tão cercada, que tínhamos certeza... Aquele era um território inexplorado. Nunca tinha sido saqueado. Especialmente por causa dos antigos cinco mil habitantes que foram infectados e não conseguiram sair de lá por causa do terreno fechado.

Ainda assim, em circunstâncias normais, esse número de hospedeiros não assustaria o Joshua. Não se lá acharíamos mercados abarrotados e postos de gasolina. Mas, isso não era tudo. Depois de um tempo observando o local, todo mundo logo percebeu que a cidade era a nossa apólice de seguro.

Foi logo no início, quando o grupo tinha acabado de se recuperar do ataque que eu e meu pessoal organizamos; os que escaparam se mudaram para aquela montanha em que estávamos hoje, e se organizaram para estudar o perímetro nos primeiros dias.

Foi assim que eles descobriram que Warring Town tinha uma localização perfeitamente estratégica em relação ao nosso posto; como ficava numa espécie de vale em que culminavam todas as montanhas ao redor, e ainda era irrigada por uma nascente que praticamente saía do nosso quintal, a cidade funcionava como um grande receptáculo: todo o som que saía do nosso acampamento viajava até o vale e se amplificava por todo o território, contido como numa caixa. Como se estivéssemos de longe, esporadicamente jogando pedrinhas num lago que provocavam pequenas ondinhas circulares até se dissiparem sozinhas.

Então, diferente do último acampamento que era cercado por rios e cachoeiras, não era como se os hospedeiros não pudessem nos ouvir. Eles podiam. Só que achavam que a fonte do barulho vinha do lado oposto ao nosso; que vinha de Warring Town. Logo... Agora tinha muito mais cinco mil infectados por lá.

Era uma área restrita, onde nem mesmo animais chegariam remotamente perto, que dirá nós. E isso era um terreno fértil para histórias - O fato de que aquela era uma cidade inteira com todos os recursos intocados chateava as pessoas. De quando em quando, algumas discussões se levantavam sobre a perda de tempo que era ter um lugar como aquele tão perto e nunca podermos entrar. Mas, ninguém nunca foi capaz de fazer sugestões, ou de tentar alguma coisa que mudasse isso. Pelo menos, até agora. Porque, de repente assim, Joshua decidiu que era seguro mandar um grupo de excursão para lá.

Então, só fiquei olhando Parker se armar para sair naquele dia, emburrada... Olhando-o sair para morrer, com certeza. Como que ele ainda não tinha tentado fugir é que me confundia completamente.

"O que exatamente você tem que buscar?" - Perguntei, cedendo pela primeira vez para falar daquilo profissionalmente.

"A princípio, um gerador portátil" - Deu de ombros, sem parar de se equipar - "E alguns itens mais aleatórios nos quais Joshua com certeza pensou na hora da raiva" - Aí ele sorriu como que da própria desgraça, e olhou para mim - "Ele não deixou de mencionar que da última vez que esteve lá observando a cidade com um binóculo, ele viu um hospedeiro usando um boné autografado dos Mets".

Bufei, e pus as mãos na cintura - "Ah, você só pode estar de brincadeira" - Dei um passo à frente, pronta para ameaçá-lo no instante que o vi desviar o olhar - "Você não vai tentar pegar esse boné, Parker".

"É claro que não, acha que eu sou louco?".

"Acho. Acho sim, tenho toda a porra da certeza, se não, você nem estaria indo".

"Tudo bem, vai começar com isso de novo? Está olhando para mim como se eu já estivesse morto" – Murmurou, enquanto checava o pente de uma das suas pistolas, despreocupadamente. Parecia tão absorto que eu poderia ter jurado que ele nem estava prestando atenção no que eu falava.

Polaris - Sobreviva ConoscoOnde histórias criam vida. Descubra agora