"Preciso falar com você. Tem um minuto?" - Abraham apareceu de repente na nossa frente, diante de mim e do Joshua. Estávamos os dois sentados em cadeiras dobráveis de praia na porta do meu trailer, observando o movimento do acampamento enquanto limpávamos algumas armas e conversávamos sobre o estoque de comida. Aí, do nada, ele surgiu. Ofegante como se tivesse corrido para chegar lá.
"Pode falar" - Joshua respondeu depois de dois segundos, franzindo a testa e também estranhando o comportamento dele.
Aí Abraham lançou um olhar rápido para mim - Por um instante achei que fosse dizer que o assunto era particular, até. Só que Joshua não gostava de quando me tratavam como alguém inferior a ele; queria que todos falassem comigo como se nós dois estivéssemos no comando. Juntos. Quando todo mundo sabia que isso era conversa fiada. Talvez por isso Abraham nem tenha se dado ao trabalho de sugerir o contrário para acabar sendo punido. Falou na minha frente mesmo.
"Temos uma pessoa desaparecida no acampamento".
Minha espinha gelou. Na mesma hora eu entendi que ele nunca quis falar aquilo em particular, pelo contrário. Esperou até eu estar perto para eu ouvir, de propósito.
"Desaparecida?".
"Sim".
"Quem?".
Ele suspirou e cruzou os braços - "Não tenho certeza ainda".
Mas é claro. Eu tinha certeza que aquele nó na minha garganta que me obrigou a observar o Abraham todos os dias da última semana era justificável. Porque, sim, nunca imaginei que uma coisa assim fosse acontecer um dia... Mas aconteceu: virei um dos espiões patéticos do Joshua. Eu e Abraham trocamos de papel, afinal. Agora era eu quem ficava de olho nele 24h por dia enquanto ele só zanzava por aí, todo cheio de segredos, como se estivesse aprontando alguma coisa grande.
Não tinha parado quieto desde a noite em que me viu entrar na floresta com aquele cara e voltar sozinha. Ficava fazendo perguntas para todo mundo... Se tinham dado falta dele, onde ele estava, quem era, quando foi a última vez que alguém o viu... Mas o universo estava do meu lado, aparentemente: a última pessoa acordada e sozinha na frente do meu trailer a uma da manhã era um completo desconhecido. As pessoas nem sabiam do que o Abraham estava falando.
Vantagem de morar num acampamento com centenas de pessoas.
Quem dera, então, o idiota se desse por satisfeito. Longe disso - Já tinha até reunido um grupo pequeno para fazer uma busca na floresta, mesmo com os amigos dele tentando convencê-lo de que ele podia ter se confundido. Mas, não adiantava. O cara batia o pé e dizia que o garoto sumiu, sem explicação.
Essa certeza inquebrável logo começou a incomodar as pessoas. Estavam dizendo por aí que alguma coisa nessa história toda não batia. Perguntavam para o Abraham se ele sabia de uma última pessoa que tivesse visto o cara. E para a minha surpresa, ele não me delatou. Não disse meu nome, não sugeriu que eu estava envolvida. Talvez porque soubesse que me acusar sem provas só resultaria em mais problemas para ele. Com qualquer outro podia funcionar, sim, já que todos estavam abaixo dele no comando. Mas eu era a única que estava acima. Eu era a única contra quem a palavra dele não valia muita coisa.
E por isso, por um bom tempo eu não temi. Observei com tranquilidade ele se desdobrar, não pela vida daquela pessoa, mas para me colocar em problemas.
Só que agora o imbecil envolveu o Joshua. Estava me desafiando - "Não sabe quem desapareceu?" - Joshua levantou uma sobrancelha, quase achando graça - "Então quem você quer que eu procure?".
Abraham apertou as mãos. Se já estava nervoso antes, agora estava mais ainda... Como se estivesse falando com um juiz - "É um cara baixo, pequeno... Acho que tinha cabelo preto, e era...".
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Polaris - Sobreviva Conosco
Science FictionMeu nome é Elizabeth Harlow. Sou uma sobrevivente do advento epidêmico que atingiu as metrópoles globais no dia 04 de Junho de 2023, às 02:16am, horário de Washington, há seis meses atrás. E vai ter que me desculpar se você descreveria o dia em que...