Noah

27 7 23
                                    

Eu já devia estar sozinha há pelo menos três dias.

Minha mãe tinha entrado em outro daqueles verdadeiros plantões em que ela não saía do laboratório nem para mudar de roupa - Sequer trocávamos mensagens ou ligações quando isso acontecia, enquanto tudo o que me restava era ficar presumindo que ela estava bem, e que uma hora voltaria para casa... Quando quisesse.

Quanto ao meu pai, estava em serviço no exterior há alguns meses... E meu irmão, fazendo sei lá o quê em Fort Brave. Provavelmente em alguma missão, já que não tinha me mandado nenhuma mensagem em mais de 24h.

Kyle, meu namorado, estava fora da cidade, visitando faculdades com os pais. E Tereza... Simplesmente sumiu. Como fazia de vez em quando em espécies de retiros que consistiam em pegar um carro e sair dirigindo até o dinheiro da gasolina acabar. Vai saber onde a louca foi parar dessa vez.

Eu estava por minha conta, então; esperando alguém se dignar a aparecer.

Arrumei meu guarda-roupa... Lavei os banheiros da casa... Aparei a grama três vezes... Fui fazer compras para abastecer a geladeira e flertei com o gerente do mercado; que, inclusive, devia ter uns 40 anos, e mesmo assim... Parecia fascinado até demais pelo pirulito de morango que eu tinha na boca.

Quando fui embora ainda passei na casa do Charlie, achando que me aproveitaria da obsessão dele por mim e ficaria com ele, só para passar o tempo. Mas, assim que ele abriu a porta e eu vi o brilho nos olhos dele, desisti, por algum motivo. Dei-lhe as costas e caminhei até o carro enquanto ele me gritava do jardim, me pedindo para voltar.

Não voltei.

Fui para casa e não saí mais... Por dias.

Mexi em todas as coisas do Noah.

Todas mesmo. Descobri que ele tinha umas manias estranhas que eu preferia nunca ter sabido a respeito... Como por exemplo... O cara devia ter pelo menos 15 armas escondidas pelo quarto. Duas só embaixo do travesseiro. Era uma verdadeira caça ao tesouro. E outra, ele só usava cueca box. E todas eram pretas. Dobradas com perfeição, ainda por cima. O que era mais estranho ainda quando combinado com o fato de que ele era completamente incapaz de dobrar ou sequer guardar suas camisas: as roupas dele ficavam espalhadas por todos os lados do quarto. Não fazia o menor sentido.

Mas, a caixa cheia de cartuchos vazios no canto fazia tudo isso parecer sem importância, talvez até normal. Aparentemente, meu irmão precisava guardar lembranças de todos os tiroteios em que entrou na vida, pela quantidade deles ali. E... Deus me livre... Havia milhares estocados.

Saí de lá antes que acabasse achando um corpo no armário. E assim que saí... A campainha da porta tocou, pela primeira vez em sei lá quanto tempo.

Foi desse jeito, então, que o pior dia da minha vida começou oficialmente.

Corri escada abaixo na mesma hora, o mais rápido possível, com um sorriso maior que o mundo na cara... Como se aquilo fosse um sinal de que meu tempo na solitária tinha acabado. Mas, caramba, como eu estava enganada... Na verdade, só estava começando. Tudo, absolutamente tudo, só estava era começando ao som daquela campainha.

E até hoje essa é a parte que eu me lembro mais claramente: o jeito que eu sorri e me alegrei, da forma mais estúpida e ofensiva possível, sem saber o que me esperava do outro lado daquela porta. A sensação foi com certeza a parte que mais me marcou. Não foi a descida; não foi o susto de sair de um sentimento tão bom para o mais sufocante imaginável. Foi eu saber o quanto eu me senti bem quando a notícia chegou. A notícia de que meu pai tinha morrido.

Polaris - Sobreviva ConoscoOnde histórias criam vida. Descubra agora