Você está fodida

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A água ficava morna àquela hora do dia. Eu tinha que tomar banho logo cedo todos as manhãs, só porque isso me acordava, é verdade - Mas o banho que eu gostava era aquele, às quatro da tarde, quando a temperatura não era baixa a ponto de arder na pele. Era o meu momento de relaxamento e diversão.

E o lugar era perfeito - Ficava há um quilômetro e meio do acampamento, numa área quase escondida: um lago razoavelmente pequeno, cercado por árvores bem altas e frondosas que deixavam folhas secas alaranjadas por quase toda a superfície da água. Era uma fonte praticamente camuflada. Por isso, eu podia fingir ter certeza absoluta de que eu era a única que sabia da existência dela. O que só tornava tudo melhor. Eu podia ficar lá por horas.

E acho que naquele dia, eu realmente estava - Perdi a noção do tempo flutuando sobre a água, examinando cada uma das nuvens no céu até achar uma forma animalesca para cada uma delas... E mergulhando até o fundo pelo máximo de tempo que eu podia, me sentando no chão e deixando meus braços flutuarem acima da minha cabeça.

Eu gostava do silêncio que tinha. Como se absolutamente nada nesse mundo existisse de verdade... Só na minha imaginação... Porque eu não pensava. Minha mente ficava completamente vazia pela única vez no dia e isso era bom. Era bom não pensar neles... Era bom não pensar nele. Mesmo sabendo que quando eu saísse daquele estado, ia doer como se estivessem arrancando a minha pele inteira num só puxão. Era de repente. Do nada, todo o peso do mundo voltava para cima do meu coração e eu não podia fazer nada além de fingir que estava bem. Que estava feliz. Que não ia mais tentar fugir daquele lugar, como eu já tinha tentado tantas vezes. Exigia todas as minhas forças.

E agora, de um segundo para o outro, era assim que eu me sentia de novo. Estava tão distraída olhando para o céu que nem notei de onde veio aquele arrepio na minha espinha e aquele peso nos meus ossos - Quando vi, estava de volta à realidade, sem entender o porquê.

Franzi a testa e olhei para frente, me estudando. Levei alguns instantes, mas finalmente entendi o que me puxou de volta para a terra: eu não estava sozinha. Tinha alguém me observando entre as árvores.

Ele chegou. Provavelmente a mesma pessoa que vinha me ver tomar banho todos os dias, como um alarme de relógio. 

Suspirei, chateada por ser interrompida, pela primeira vez odiando ter sentidos tão treinados e apurados - "Deve ser só um bicho" - Pensei, como eu pensava toda a vez que aquilo acontecia, girando devagar na água, no fundo sabendo que eu estava mentindo para mim mesma do jeito mais ridículo... E eu não ligava. Ia continuar nessa encenação pelo tempo que fosse necessário. Como eu fazia todo o santo dia.

Mas aí, o imbecil que me assistia errou de um jeito que nunca tinha errado antes; pisou num galho, à distância - O estalo foi tão perceptível que vários pássaros levantaram voo para longe. Não pude evitar olhar naquela direção. Não pude fingir que não ouvi. E agora ele sabia que eu sabia. Minha paz acabou.

Fiquei encarando o lado de onde veio o som, mergulhada na água até a altura dos lábios, sem dar indicação de que estava incomodada, não a ponto de sair. Porque eu com certeza não ia a lugar nenhum.

Demorou uns 10 segundos, mas ele enfim cedeu - Joshua saiu detrás da árvore devagar, com uma expressão confusa e concentrada. Travei a mandíbula por debaixo da água, vendo-o se aproximar da margem do lago como se estivesse chegando perto de um tigre adormecido - "Não vai gritar comigo?" - Perguntou, de testa franzida - "Não vai me xingar, sair da água, e nunca mais voltar aqui, só de pirraça?".

Revirei os olhos e lhe dei as costas. Mergulhei e emergi, de braços abertos, deixando eles flutuarem enquanto eu tentava deixar meu rosto embaixo dos raios de sol... Como se eu ainda estivesse sozinha - "Há quanto tempo você sabia que eu estava aqui?" - Perguntou de novo, mais confuso ainda.

Polaris - Sobreviva ConoscoOnde histórias criam vida. Descubra agora