Estamos bem

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"Então, o que você está me dizendo é que ele te assediou e você nem percebeu?" - Heyden me perguntou com certa indignação, franzindo a testa de um jeito que só ele sabia, enquanto caminhávamos floresta acima.

De algum jeito aquele cara fazia a travessia por um bosque desconhecido e possivelmente cheio de hospedeiros parecer um passeio de escola no ensino médio.

"Não foi assédio" - Respondi, olhando para os pássaros nas copas das árvores que nos encaravam por algum motivo - "Eu que comecei tudo, eu queria".

"Mas ele era seu professor".

"E daí?".

"Daí que você era a parte vulnerável da situação".

Eu ri quando escutei "vulnerável" - "Se você me conhecesse mesmo estaria com peninha dele e não de mim".

"Não estou com peninha de você. Você é uma dissimulada. Mas, ainda assim, é uma dissimulada nova demais para se envolver com um professor de história de 35 anos".

"Ele tinha 30, e a gente não se envolveu. Eu estava só... Vendo uma coisa" - Pelo canto do olho vi Heyden me encarando enquanto andava do meu lado, se desviando dos galhos; fez silêncio por uns dez segundos, pensando no que eu disse... E só então o vi abrir um sorriso largo e repentino, como se tivesse descoberto a resposta de uma equação difícil.

"Ok, deixa eu adivinhar..." - Falou, finalmente, me fazendo revirar os olhos - "Você fez ele acreditar que ia rolar alguma coisa... Foi atrás dele, mostrou interesse, se fez de apaixonada a ponto de deixar claro que faria qualquer coisa que ele quisesse... Mas aí, quando ele finalmente decidiu agir e te corresponder... Você fingiu que não fazia ideia do que ele estava falando e ainda ameaçou denunciá-lo para a direção da escola, não foi?".

Olhei para a cara dele e sorri por um segundo, mas não disse nada. Nem precisava.

"Você não presta" - Ele completou, fazendo uma careta e passando as mãos no rosto, como se aquela informação o deixasse realmente pasmo.

"Tecnicamente, você errou a última parte. Eu não ameacei denunciá-lo... Não tinha como eu fazer isso e ao mesmo tempo fingir que ele literalmente não existia".

"Ele chorou?".

"Duas vezes".

Rimos ao mesmo tempo. O que foi bem estranho quando pensei a respeito depois... Mas, não na hora... Na hora eu nem percebi que estava rindo com o cara que eu mais deveria manter distância na vida.

"Faz sentido" - Ele continuou - "É claro que você fazia o tipo popular malvada no colégio, isso é a sua cara".

"Não, eu não era popular... Pelo menos não do jeito certo".

"Vai dizer então que aquele não foi o primeiro professor que você tentou levar para o mal caminho?".

Revirei os olhos de novo - "Não tinha a ver com esse tipo de boato".

Ele se calou. E eu sabia bem por quê. Ainda não era como se ele pudesse me fazer esse tipo de pergunta; despreocupada, leve... Sem interesses secundários... Só por mero interesse na minha vida. Já era estranho o suficiente que ele sequer estivesse falando comigo sem me ameaçar de nada... E eu nem sabia direito como isso tinha acontecido.

Estávamos caminhando há já quase um dia no meio do verde quando, sem mais nem menos, começamos a nos falar... Falar de verdade, sem picuinhas. Tudo porque eu decidi passar nossos cinco minutos de descanso da subida massageando minhas  panturrilhas como eu tinha aprendido nos treinos... E ele já entendeu que, ou eu entendia de fisioterapia, ou me esborrachava com facilidade. Os dois eram verdade.

Polaris - Sobreviva ConoscoOnde histórias criam vida. Descubra agora