Por que fez isso comigo?

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Eu me lembro daquele dia como se ele fosse a prova mais significante de que o Noah estava certo.

Ele costumava me dizer que é só quando as coisas ficam ruins até o limite que o caminho fica livre para tudo começar a melhorar... Inclusive, esse era um dos maiores princípios dele na hora de me treinar: sempre me colocava em situações extremas, sem alternativas, porque assim teríamos total certeza de que eu estava dando tudo o que eu tinha.

"Situações razoáveis são as piores" - Ele dizia - "O razoável é que mata, não o ruim. O ruim te faz lutar". E assim, toda a vez que eu tinha um problema, ele me dava os parabéns. Dizia que ter um problema era a primeira fase do movimento.

No início, eu não pensei nisso. Não vi o meu fundo do poço como uma certeza de que agora a única saída era para cima. Para mim, isso era tudo. Um fundo do poço. Nem mais, nem menos - Aceitei que eu era uma assassina; que eu tinha matado gente inocente e que estava presa para sempre com pessoas tão ruins quanto eu. Aceitei que eu era do Joshua. Simples assim.

Porque eu consegui mexer com todo mundo; de tal forma que, no momento, o Joshua era a única coisa impedindo aquelas centenas de pessoas de me fuzilarem como eu fiz com a família e com os amigos deles. E se eu o matasse e conseguisse fugir mesmo assim... Continuaria tendo uma gangue de gente furiosa me procurando, como sempre foi, desde o shopping. 

E eu não podia fazer isso com o meu grupo de novo. Não podia arriscar acabar levando aquelas pessoas para Polaris. Eu tinha que me livrar de todos eles. E considerando que a maior parte do acampamento era de gente boa que só estava com raiva e de luto pelo que eu fiz... Eu não podia machucá-los. Não podia fazer nada. Essa era a minha realidade agora.

Todo mundo entendia isso tão bem que Joshua realmente cumpriu sua promessa. Não voltei mais para a gaiola. Ela se tornou desnecessária. Minha prisão agora era muito mais ampla e bem mais invisível e inescapável. Tanto, que eu literalmente podia entrar e sair do acampamento quando bem quisesse. Pelo tempo que me desse na telha. Joshua sabia que eu teria que ser burra para tentar fugir a essa altura, e... Eu não era burra. Infelizmente.

Era o que eu estava fazendo naquele dia. Uma caminhada longe do acampamento, pelo menos umas duas montanhas distante, como se eu realmente estivesse indo para algum lugar específico, mas não estava. Eu só andava. Por sobre os troncos, folhas, galhos e pedras, gastando energia. Respirando o que eu não conseguia respirar perto daquelas pessoas. Aproveitando o silêncio.

Estava chovendo. Uma chuva fria e constante, leve. Como nas tardes de sábado que eu ficava em casa sem nada para fazer além de olhar para o teto. E tudo bem. Eu vestia uma capa de chuva azul escuro que me protegia o suficiente. Não tinha interesse nenhum de me amparar, ou de voltar para o acampamento ainda. Só continuei andando. Como se tivesse um propósito com aquilo.

Então, acabei subindo por um barranco íngreme, me apoiando em rochas gigantes que estavam quase que organizadas em fila na terra, me implorando para serem usadas. Foi o que eu fiz, devagar. Escalei a subida inteira por entre as pedras molhadas e lisas, sem me importar se eu poderia facilmente cair e rolar morro abaixo, de pescoço quebrado. Até onde eu sabia, de tão cética que eu estava, se isso acontecesse, eu sairia no lucro, na verdade.

Mas, não aconteceu. Logo cheguei no fim da trilha, e encontrei o que já esperava encontrar. Mais árvores. Mais montanha. Um espaço estreito como um grande degrau acidental da natureza, numa espécie de pseudo-pico.

Ajeitei a mochila nas costas e suspirei, pronta para continuar meu caminho e virar à direita, para explorar o resto daquele nível. Só que acabei dando só um passo no fim. Porque finalmente notei que aquele não era um espaço tão comum e escondido quanto eu achei que era. Tinha uma coisa, uma coisa só, fora do lugar naquilo.

Polaris - Sobreviva ConoscoOnde histórias criam vida. Descubra agora