Achei que teríamos mais tempo

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Aquela com certeza foi a primeira vez na minha vida que eu me senti incomodada com o silêncio do Heyden.

Ou melhor... Com o silêncio do Liam.

Eu costumava amar esses momentos... As raras ocasiões em que os nossos insultos e reclamações acabavam, sucumbindo embaixo de uma onda gigante e gelada que nós mesmos provocávamos. Era essa a hora em que eu ouvia a floresta ao meu redor; em que eu ouvia os meus próprios pensamentos... Era a hora em que eu me dava conta de que tinha exagerado... Dito alguma coisa que não devia, ou demonstrado ser uma pessoa que eu não sou. E sempre me comprometia a ser melhor da próxima vez que abrisse a boca. Falhava toda a santa vez, era verdade, mas pelo menos ter essa intenção me ajudava a suportar os verdadeiros rounds entre nós dois.

Só que dessa vez alguma coisa estava diferente. Dessa vez o silêncio dele estava literalmente acabando comigo. E eu sabia por quê... Estava chegando a hora. Agora estávamos há poucos metros do topo da montanha: o lugar onde, teoricamente, todos nos esperavam... Ou não...

A possibilidade do lugar estar completamente vazio era bastante real; tão real quanto o fato disso provar que eu estava errada; provar que ninguém mais sobreviveu.

Mas, ainda assim, por algum motivo, eu sabia que não era por causa dessa tensão que ele estava calado. Sabia porque não era por isso que eu estava calada também. O silêncio era porque a pouca esperança que tínhamos de encontrar alguém tinha se espatifado depois do que aconteceu com a Katherine. Então... A subida era como se estivéssemos só prolongando o inevitável: a nossa separação.

O acordo ainda estava de pé. Ele disse que ia embora se não encontrássemos ninguém e nunca mostrou ter mudado de ideia, em nenhum momento. A prova disso era a total certeza que eu tinha de que cada passo que eu dava era um segundo a menos. Estávamos em contagem regressiva. Eu, pelo menos, estava; contagem pela última vez que eu veria outro ser humano em um bom tempo; que eu confiaria em outro ser humano em um bom tempo.

A sensação era horrível. Mas, eu não disse nada. Nem ia dizer. E, aparente, ele também não. Vi a sua expressão de manhã. Não foi difícil de decifrar: estava mais do que claro que ele estava arrependido. E tudo bem, eu entendia. O luto faz mesmo as pessoas dizerem coisas... Fazerem coisas... Como por exemplo, um cara como ele abrir o coração daquele jeito para a sua suposta rival. Talvez Liam pensasse que isso só acabou dificultando as coisas para nós dois no final. E ele não estaria errado.

Mas, arrependida, eu não estava. Nem mesmo pela parte de eu ter mentido descaradamente no final. Porque com isso eu estava acostumada. Estava acostumada com não ter escolha.

Quem dera essa não fosse a única coisa que me deixava confortável naquilo tudo: o resto inteiro era uma imensa montanha de porcaria caindo em cima de mim. Especialmente pelo fato de eu ter me perdido justo com aquele cara, só para descobrir que ele não era mesmo um cafajeste, e no final, perder todo mundo de uma vez só. Inclusive esse novo estranho caminhando do meu lado, com as mesmas esperanças e responsabilidades que eu tinha.

De repente, assim, eu vi o topo no final da trilha; reluzindo com o último feixe de luz laranja do dia - Olhei para o Liam por reflexo, enquanto andava, sem nem sentir que estava fazendo isso; e ele fez exatamente a mesma coisa. Só por um segundo... Só um segundo olhando para mim com certa urgência, para ele logo se forçar a desviar os olhos e sair andando na frente, nervoso demais para continuar no mesmo ritmo que eu, agora que tínhamos chegado.

Então, assisti ele se afastar no caminho, pelas suas costas, até sumir completamente no fim da trilha. Não só porque ele se apressou, mas porque eu diminuí o passo - Comecei a andar tão devagar que praticamente parei, ficando para trás por puro medo do que eu ia encontrar lá em cima... Como se isso fosse melhorar as coisas ou diminuir seus efeitos.

Polaris - Sobreviva ConoscoOnde histórias criam vida. Descubra agora