Quer me pegar?

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Eu tive um sonho com o Noah ontem à noite” – Liam soltou de repente, do meu lado, enquanto lavávamos os pratos juntos na cozinha vazia.

Aquele serviço era para ser só meu naquele dia. Era a louça de um jantar que aconteceu na nossa primeira semana no shopping, ou seja, estava bem tarde. Comíamos em horários bem desregulados enquanto ainda sentíamos a organização de tudo. Mesmo assim, o pessoal ainda estava longe de ir deitar. Assim que terminaram de comer, se juntaram no corredor em frente ao dormitório, ao redor do quiosque principal, só para conversar sobre o dia que findava, fumar, jogar cartas e diminuir o ritmo.

Fui fazer a minha tarefa, então, achando que a completaria sozinha. Mas, uns três minutos depois de eu já estar com as mãos ensaboadas, Liam passou pela porta, sem dizer nada. Simplesmente jogou um pano de prato sobre o ombro e se colocou do meu lado, tomando uma segunda esponja e pegando um pires da pilha.

Ficou em silêncio por um longo tempo, ainda assim. O único som que eu ouvia era o dos pratos se chocando de leve contra a pia, e o som da água corrente. O braço dele encostava no meu braço de vez em quando, e ele suspirava de vez em quando, me fazendo suspirar também. Até que ele simplesmente disse aquilo. Soltou o nome do meu irmão da forma mais inesperada possível.

O som da palavra “Noah” na voz do Liam me soava completamente estranha. Como se eu tivesse entrado num universo paralelo de repente, já que a existência de um sempre me pareceu estar tão distante da outra.

“Sonhou o quê com ele?” – Perguntei mesmo assim, tentando não expressar o tamanho gigante do meu interesse no que ele diria agora.

“Que ele estava aqui. No shopping, com a gente”.

Meu olhar se perdeu por um instante, por entre as bolhas da espuma dentro da pia. Entrei em choque só por imaginar a cena, já que ela parecia ser tão perfeita e, ao mesmo tempo, impossível. Não era uma combinação muito boa.

“Vi flashes dele te seguindo por esses corredores” – Continuou – “Comendo onde você comia, dormindo onde você dormia... Acordando quando você acordava, de um jeito sincronizado. Como se vocês dois fossem uma coisa só”.

Insisti no meu silêncio.

“Foi bem desconfortável de assistir, na verdade. Parecia um pesadelo”.

Olhei para ele – “E por quê?”.

“Porque eu acordei. Me dei conta de que ele não está aqui” – Disse devagar, e suspirou, desviando os olhos dos meus – “Me fez sentir medo por você. Te olhar e não ver... Aquela sombra que existe para te proteger”.

Respirei fundo também, lutando para sair daquele choque – “Nossos pais falavam sobre isso o tempo inteiro... Quando a gente era criança, escutávamos muitas coisas, muitas histórias... Noah praticamente cresceu ouvindo dos nossos pais que eu precisava de toda a proteção que fosse possível. Então, ele só... Se voluntariou para a tarefa, eu acho”.

“Como ele era?”.

Mordi o lábio. Apertei um dos pratos com força demais e ele pulou para fora das minhas mãos, resvalando dentro d’água – “Desculpa, não precisa responder se não quiser” – Ele soltou, vendo como as minhas mãos pareciam confusas ao redor da pia – “Eu só fiquei um pouco mais curioso do que o normal depois do sonho, mas entendo que essa deve ser uma pergunta bem cruel para se ouvir a essa altura”.

“Não” – Respondi – “Não é cruel, é justa. Se tem uma pessoa nesse mundo que deveria entender melhor quem era o Noah, depois de tudo o que aconteceu... Essa pessoa é você. Com certeza, é você”.

Polaris - Sobreviva ConoscoOnde histórias criam vida. Descubra agora