Liam’s P.O.V.
Eu me lembro de ter pensado que era ela a razão de tudo.
A razão de eu estar perdendo o sono naquela noite; a razão de eu ter tido pesadelos macabros a semana inteira, desde o primeiro dia em que ela colocou os pés dentro do meu acampamento. Lembro de simplesmente saber; como eu não soube no momento em que a vi no meio daquela floresta, debaixo da chuva gelada. Não, aquele dia foi só confusão, de nada eu tinha certeza. E agora eu estava pagando o preço. Agora ela tinha o meu juízo na palma da mão, e sem nem desconfiar.
Eram pesadelos bem objetivos e claros. Eu via a Elizabeth me matando. Simples assim. Sempre de formas diferentes, sempre quando eu estava menos esperando, sempre do jeito que mais me causaria dor. E o pior mesmo não era o golpe em si, mas sim o sentimento que vinha depois: o jeito que eu olhava nos olhos dela, o jeito que caía no chão e estendia o braço em sua direção, por um instante breve achando que foi um acidente. Era traição. Nos meus sonhos eu não esperava isso dela. Não como eu esperaria estando acordado.
Talvez por isso, então, é que eu perdia o sono. 8 dias da chegada dela, 8 dias de insônia. Como se só a presença dela fosse uma porra de sirene berrando no meu ouvido, sendo ativada toda a vez que eu colocava a cabeça no travesseiro.
Eu estava cansado e confuso. Definitivamente não era uma boa combinação.
Por isso não sei bem o que eu pretendia fazer quando me levantei de madrugada naquele dia. De uma hora para outra eu simplesmente decidi que não ficaria mais na minha tenda, lutando para esquecer o pesadelo mais recorrente da vez: a Elizabeth dentro da cerca, esmagando a cabeça do terceiro hospedeiro com uma pedra; só que, é claro, no sonho o hospedeiro sou eu.
Larguei o travesseiro e praticamente me atirei para fora, puto da vida e morrendo de sono. Estado esse que não durou muito na verdade: assim que senti o vento no rosto, percebi o ponto de luz laranja pelo meu canto do olho. Virei, interessado pela quebra da expectativa de que eu era o único acordado. E era mesmo uma fogueira acesa. Alguém também estava tendo insônia naquela noite.
Suspirei. 40% da minha raiva foi embora naquele mesmo instante, só pela ideia de que eu não estava sozinho naquele barco. E talvez por isso eu tenha ido imediatamente para lá. Talvez quisesse agradecer a seja lá quem fosse só por estar acordado ou algo assim. Mas, no final, essa vontade acabou durando bem pouco. Porque era a Elizabeth de frente para a fogueira. A própria razão da minha insônia não conseguia dormir.
Nada mais justo.
Não pensei muito a respeito, então: continuei indo até ela e me sentei do outro lado da fogueira, provavelmente só para me vangloriar ao vê-la sofrer do mesmo jeito que eu. Recostei-me em um tronco que fazíamos de banco, estiquei as pernas, cruzei os braços, e enfim deixei meus olhos caírem no rosto dela.
Ela estava sentada do mesmo jeito que eu, recostada em um tronco; mas tinha as pernas dentro de um saco de dormir, e a parte de cima do corpo todo envolto num cobertor grosso. Parecia que pretendia passar a noite ali, ao relento, naquela posição, como se ali mesmo ela quisesse adormecer.
Bem, a veia de concentração na testa dela me dizia que isso não ia acontecer nem tão cedo.
“Está olhando o quê?” - Ela atirou, uns cinco segundos depois que comecei a encará-la. Já não parecia mais tão confortável quanto antes. Gostei tanto disso que resolvi piorar ainda mais a situação.
“Estou olhando você. Obviamente”.
Ela revirou os olhos. Ajeitou-se um pouco mais dentro do saco de dormir e encarou o fogo por um instante. Mas, como eu já sabia que ia acontecer, ela acabou por voltar os olhos para mim de novo.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Polaris - Sobreviva Conosco
Science FictionMeu nome é Elizabeth Harlow. Sou uma sobrevivente do advento epidêmico que atingiu as metrópoles globais no dia 04 de Junho de 2023, às 02:16am, horário de Washington, há seis meses atrás. E vai ter que me desculpar se você descreveria o dia em que...