Capítulo 68: Cala a Boca

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No dia seguinte, quando chego na escola, o corredor estava uma verdadeira arena de perguntas incessantes quando finalmente consegui chegar à biblioteca. Cada pessoa que passava por mim não perdia a oportunidade de me bombardear com as mesmas perguntas:

— Como está Erick?

— Ele vai voltar a andar?

— Você sabe quando ele vai voltar à escola?

Eu me sentia como se estivesse presa em um turbilhão de curiosidade e preocupação alheia. Não importava para quem eu olhasse, a mesma expressão e a mesma pergunta se repetiam. As palavras se misturavam em um manto de barulho, mas eu mal conseguia processar o que estava acontecendo ao meu redor.

Quando entrei na biblioteca, fugindo do barulho, a visão das meninas foi um alívio para mim. Vitória, Milena e Penha estavam sentadas ao redor de uma mesa, aparentemente imunes ao tumulto lá fora. Olhei para elas com um suspiro de alívio. A quietude do ambiente parecia um refúgio, apesar de eu ainda carregar a pressão dos olhares e das perguntas.

—  A Gente imaginou que você viria pra cá. — Vitória disse, com um tom sincero de compreensão ao ver meu rosto. — Por isso a gente veio te esperar aqui.

— Eu tô tão cansada de responder a mesma pergunta o tempo todo. Não consigo encontrar um momento de paz — falei, me deixando cair em uma cadeira ao redor da mesa. Meu tom estava cansado, e a exaustão era evidente.

— Imagino — disse Vitória, sua expressão de preocupação misturada com empatia. — A escola inteira está em cima disso. Todo mundo só fala sobre o Erick. Ten alguns que só querem saber pela fofoca mesmo.

— Eu sei — respondi. — E o pior é que as pessoas fazem essas perguntas sem nem sequer me conhecer.

— Penha, me conta mais sobre o que aconteceu na escola depois que eu saí? — perguntei, tentando desviar o assunto para algo menos cansativo.

Penha suspirou e começou a explicar, suas palavras saindo com um tom de frustração, mas também de entendimento.

— Então, o que aconteceu foi o seguinte. A confusão com o time do Colégio Santa Cruz foi absurda. Quebrar a perna do Erick foi um golpe que eles já tinham planejado antes de ver pra cá. A rivalidade é uma coisa, mas aquilo foi além. O Erick fez dois gols lá na quadra deles no último jogo, né? Eles ficaram sabendo, imaginaram que o Erick iria atrapalhar eles de vencer. Os caras já chegaram na escola com a intenção e tudo planejado. Eles queriam que o Erick ficasse fora do jogo de alguma forma. Pensaram que, se o Erick se machucasse e não jogasse mais, a chance deles ganharem aumentaria.

— Então, quer dizer que não foi um acidente de última hora? É certeza que foi tudo armado? — perguntou Milena, com incredulidade na voz.

— Exatamente. O que aconteceu com o Erick foi premeditado. Eles achavam que pensariam que foi só um acidente e que ninguém ia perceber que era de propósito. Estavam certos de que seria só um ferimento, mas acabaram sendo desclassificados. Foi uma bagunça enorme depois disso. O pesoal do Colégio Santa Cruz que vieram pra cá estava em choque e não queria aceitar quando o cara lá da comissãodisse que eles foram desclassificados. Continuaram a confusão por um bom tempo. Naquela hora que vocês estavam com a Raquel na coordenação, a escola tava quase se quebrando com a revolta de todo mundo com todo mundo. E o Gabriel tava p da vida que o time daqui decidiu que não ia mais jogar sem o Erick.

A conversa estava fluindo, mas de repente, o sinal tocou, sinalizando o final do intervalo e o retorno às aulas. No entanto, antes que eu pudesse me preparar para voltar à sala de aula, Gabriel entrou na biblioteca. Seu olhar estava irritado e ele parecia estar em busca de uma discussão. Eu me preparei para o que viria, sabendo que não seria nada agradável.

— Raquel, por que você não respondeu às minhas mensagens? Você está se escondendo aqui é? — ele começou, com a voz carregada de irritação. — Por que você tá preocupada com alguém que não é seu? Você não se lembra que tem um namorado? Está fugindo de mim por quê?

A responsável pela biblioteca, uma senhora de meia-idade com um olhar firme, se aproximou rapidamente. Seu tom foi imediato e autoritário.

— Gabriel, você não pode ficar aqui causando esse tumulto. Já está na hora de voltar para a sala. Saia agora.

Gabriel protestou por um momento, mas a autoridade da responsável pela biblioteca era inegável. Ele saiu, resmungando para si mesmo. Eu aproveitei a oportunidade para me recompor e, com as meninas, nos dirigimos para a sala de aula.

Na sala, o professor entrou e, vendo a nossa agitação, imediatamente fez a pergunta que todos pareciam querer saber.

— Raquel, como está o Erick? Tem alguma notícia dele?

Eu respirei fundo, sentindo a dor de ter que repetir a mesma coisa mais uma vez. Mas achei que falando de uma vez para toda a sala, ficaria livre de mais perguntas.

— Erick está no hospital. Ele ainda está com dor, mas já está muito melhor. O pai dele já chegou aqui e vai ficar com ele durante esse tempo. Ele me disse pessoalmente que vai cuidar do Erick e vai ficar o tempo todo enquanto ele precisar.

— Chegou de onde? — perguntou alguém na sala, o tom de curiosidade claramente presente.

Eu olhei ao redor e percebi que muitas pessoas não sabiam muito sobre a vida pessoal de Erick, já que ele sempre foi mais reservado quanto a vida pessoal.

— Ricardo, o pai do Erick estava morando em outro estado. Erick e o irmão mais novo, Davi, vivem sozinhos na casa. O pai deles viaja muito por causa do trabalho. Ele é dono de uma funerária e está expandindo o negócio. Então, quando a mãe do Erick faleceu, ele se tornou o responsável pelo Davi. Erick e o Davi são muito próximos. O Davi só tem 11 anos, e o Erick sempre foi como um pai para ele.

A sala ficou em silêncio, a empatia e a admiração por Erick era visível em seus rostos. Percebi que a situação de Erick estava sendo vista sob uma nova luz. As pessoas começaram a admirar ainda mais o fato de ele estar lidando com tantas responsabilidades.

No entanto, a expressão de Gabriel estava distante da de todos os outros. Eu podia ver que ele estava incomodado com a atenção que Erick estava recebendo. Ele parecia irritado, como se a admiração que os outros tinham por Erick fosse um desafio pessoal para ele. Muito diferente do garoto do começo do ano.

Quando fizemos o trabalho de sociologia na casa do Erick, Gabriel parecia feliz apenas por estar perto dele. Mas depois que Erick parou de se esforçar para ser o típico garoto popular que faz piadinhas bobas e se tornou um pouco mais recluso, Gabriel decidiu que iria tomar o seu lugar. Como eu era a namorada de um garoto assim?

Quando a aula terminou, eu estava exausta. O cansaço físico e emocional estava pesando sobre mim. Durante o intervalo, Gabriel se aproximou de mim novamente. Ele parecia determinado a criar mais problemas.

— Raquel, por que você continua fugindo de mim? Você está fazendo uma tempestade em um copo d'água. Por que você está tão focada no Erick?

Eu já estava no limite da minha paciência. O estresse acumulado e a falta de descanso me fizeram explodir.

— Para, Gabriel! Chega! Eu não aguento mais! — Gritei, como nunca havia gritado antes. — Eu tô cansada, exausta e com dor de cabeça. Não dormi direito e preciso de um tempo para mim. Preciso de paz. Não tenho paciência para discução agora.

Eu o encarei com um olhar firme, esperando que ele entendesse a seriedade das minhas palavras. Gabriel parecia surpreso com a minha reação, mas não disse mais nada. Ele se afastou, e eu segui para a coordenação.

Na coordenação, pedi permissão para sair mais cedo. Expliquei que estava completamente esgotada e precisava de um tempo para descansar. O coordenador, vendo o quanto eu estava perturbada, concordou e me deu autorização para ir embora. Na pressa, deixei minha mochila na escola, decidida a voltar para casa e tentar encontrar um pouco de paz e recuperação.

Entre Ódio e DesejoOnde histórias criam vida. Descubra agora