Capítulo 69: Precisamos Conversar

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Cheguei em casa exausta, sentindo cada músculo do meu corpo gritar por descanso. Minha mãe  estava na sala, e mal entrei, ela veio ao meu encontro com um olhar preocupado. Antes mesmo que eu pudesse dizer qualquer coisa, ela me envolveu num abraço apertado. Aquele tipo de abraço que só ela sabia dar, um que me fazia sentir que tudo ficaria bem, mesmo quando o mundo parecia estar desmoronando ao meu redor.

— Calma, tá tudo bem… — ela sussurrou, passando a mão pelos meus cabelos. Fiquei ali, nos braços dela, por alguns minutos, deixando que aquele conforto preenchesse o vazio que parecia tomar conta de mim.

Ela não perguntou o que tinha acontecido, e eu estava grata por isso. Só estar ali, sentindo o carinho dela, já era o suficiente. Quando finalmente me soltei do abraço, ela sorriu suavemente e me deu um beijo na testa antes de me deixar ir para o meu quarto. Precisava de um momento para mim, para tentar organizar os pensamentos que pareciam uma bagunça completa.

Mais tarde, quando a aula terminou e o sol começava a se pôr, a campainha tocou. Abri a porta e encontrei Milana do outro lado, segurando minha mochila.

— Você esqueceu isso lá na escola — ela disse, entregando a mochila para mim.

Peguei a mochila e dei um pequeno sorriso, mas ela percebeu que algo estava errado.

— Quer conversar? — ela sugeriu, entrando sem esperar pela minha resposta. Sentamos no sofá da sala, e por um momento, nenhum de nós disse nada. Eu sabia que Milana estava esperando que eu começasse a falar, mas as palavras pareciam presas na minha garganta.

— Eu preciso me acalmar... — comecei, mais para mim mesma do que para ela.

— Eu sei que é difícil, Raquel. Mas você fez a coisa certa. — Milana começou, a voz dela calma e cheia de certeza. — Vi o Gabriel na escola depois que você saiu. Ele ficou parado lá, meio que sem saber o que fazer, mas dava pra ver que ele não estava satisfeito com a situação. Mas, honestamente, acho que você fez o certo se impondo. Não sei se é impressão minha, mas tudo que você fez até agora com o Gabriel... foi deixar ele decidir por você.

— Isso é a mais pura verdade... — admiti, finalmente soltando aquilo que estava entalado na minha garganta. — Eu não pedi pra namorar com ele, Milana. Eu nunca quis nada com ele. Foi ele que chegou do nada, sempre foi tudo decisão dele, sempre foi escolha dele... E eu me sentia pressionada. Amiga... Sempre me disseram que eu nunca ia conseguir um namorado... Sempre me disseram que eu nunca ia ter ninguém pra mim... Eu sempre fui humilhada... E eu sempre senti que precisava ser grata a ele... Porque... ele me quis.

Milana ficou em silêncio por um momento, processando minhas palavras. Quando ela finalmente falou, a voz dela estava cheia de uma compreensão que me fez sentir um pouco menos sozinha.

— Tá, mas o que é que tu sente quando tá com ele? Você sente alguma coisa boa? Você sente alguma coisa positiva?

Balancei a cabeça, tentando encontrar as palavras certas.

— Não... — respondi finalmente. — Tipo... Às vezes eu gosto que ele quer me dar carinho... que ele quer me beijar... Mas... é complicado. A sensação que eu tenho quando estou com ele... é frio.

Milana me olhou nos olhos, como se estivesse tentando ver dentro da minha alma.

— E o que é que você sente pelo Erick? — ela perguntou, com uma voz firme, mas suave.

A menção do nome de Erick fez meu coração acelerar.

— Por que você tá perguntando isso? — perguntei, embora a resposta já estivesse clara na minha mente.

— Amiga, até um cego enxerga o que você sente por ele. E é lógico que ele sente o mesmo por você.

Fiquei em silêncio, enquanto o nome dele ainda ecoava na minha cabeça. Milana me observava atentamente, e eu sabia que não conseguiria fugir dessa conversa. Então, respirei fundo e decidi falar o que realmente sentia, deixando as palavras fluírem de dentro de mim, pedaço por pedaço, sem pressa.

— Ontem... a gente se falou, né? — comecei, um leve sorriso aparecendo nos meus lábios. — E eu gosto quando ele fala meu nome... Eu gosto da voz dele dizendo meu nome... Ah, não precisa nem falar meu nome, eu só gosto da voz dele... Ah, não precisa nem falar também... só de estar perto... Eu gosto de ver ele... Eu gosto do cheiro dele... Eu gosto de estar perto, eu gosto do jeito que ele me olha... Eu gosto dos olhos dele. O olhar dele tem um efeito... Amiga, eu não sei, mas... eu sinto.

Cada palavra parecia surgir naturalmente, como se eu estivesse finalmente admitindo algo que já estava ali, apenas esperando para ser reconhecido. Milana ouviu tudo com um sorriso compreensivo, balançando a cabeça como se tudo que eu dissesse fosse a confirmação do que ela já sabia.

— Tá, mas o que é que você sente quando tá perto dele? — ela perguntou, me encorajando a continuar.

— Eu me sinto... bem. Eu sinto que... é certo. Eu gosto de como ele me faz sentir, mesmo quando não tá fazendo nada demais. Só de estar ali, de me olhar... de existir. — As palavras saíam de mim sem esforço, como se sempre estivessem prontas para serem ditas.

Milana suspirou, cruzando os braços.

— A resposta tá bem óbvia, Raquel. Eu não vou te dizer o que fazer, porque você é inteligente o suficiente para descobrir sozinha. Mas, sinceramente, acho que você já sabe o que precisa fazer.

Fiquei em silêncio, pensando nas palavras dela. Milana me conhecia melhor do que ninguém, e sabia que eu estava começando a entender a verdade que ela estava tentando me mostrar.

— Tenho que ir embora — ela disse, se levantando. — Não avisei minha mãe que ia demorar e já tô aqui há mais tempo do que devia.

— Obrigada, Milana. De verdade. — Agradeci, enquanto a acompanhava até a porta.

— Sempre que precisar, sabe onde me encontrar. — Ela piscou para mim, dando um pequeno sorriso antes de sair.

Fechei a porta e fiquei ali, encostada na parede, pensando em tudo que havíamos conversado. As palavras dela continuavam ecoando na minha cabeça. Eu sabia que estava na hora de enfrentar meus sentimentos, tanto em relação ao Gabriel quanto ao Erick. Não podia mais continuar nessa incerteza, deixando que os outros decidissem por mim.

Mais tarde, voltei para a sala onde minha mãe estava, lendo um livro.

— Mãe... — comecei, hesitando.

Ela levantou os olhos do livro, dando-me toda a sua atenção.

— Hoje a gente vai de novo... pro hospital ver o Erick? — perguntei, a voz saindo mais insegura do que eu gostaria.

Ela sorriu, fechando o livro.

— Você quer?

Confirmei com a cabeça, sem precisar dizer mais nada.

— Então a gente vai.

E foi assim que decidi, sem saber ao certo o que esperar, mas sabendo que precisava estar ao lado de Erick, mesmo que isso complicasse ainda mais meus sentimentos.

Entre Ódio e DesejoOnde histórias criam vida. Descubra agora