Capítulo 17: Terça-feira

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A escola estava cheia de vida, como sempre, mas para mim, o dia parecia ter uma intensidade diferente. Eu só tinha mudado o cabelo, mas sentia como se todos os olhares fossem pra mim, e isso não me causava um sentimento bom. Por mais que tentasse parecer tranquila, minha ansiedade estava estampada no rosto.

Milena e Vitória eram como um porto seguro em meio a essa maré de emoções. Elas se aproximaram com sorrisos radiantes e um brilho nos olhos.

— Raquel, seu cabelo está maravilhoso! — exclamou Milena, a empolgação evidente em sua voz. — Você está parecendo outra pessoa!

— É verdade! — concordou Vitória, ajustando a própria franja como se comparasse. — Nunca te vi tão linda!

Eu sorri, um pouco sem jeito com tantos elogios. Nunca fui boa em lidar com atenção, especialmente sobre minha aparência.

— Obrigada, gente. Mas eu estou ficando ainda mais nervosa — confessei, tentando disfarçar a inquietação.

Nos sentamos para conversar sobre os outros grupos e o que eles estavam preparando para a apresentação. No entanto, a tranquilidade foi interrompido por Gabi, que apareceu apressada e visivelmente preocupada.

— Raquel, onde você estava? Erick mandou uma mensagem no grupo do WhatsApp dizendo que era para todo mundo se encontrar atrás da quadra antes da aula começar. Precisamos revisar o que cada um vai falar — Gabi disse, com um tom urgente.

Fiquei confusa por um instante. Eu não tinha visto a mensagem e, portanto, não sabia da reunião.

— Eu não sabia — respondi, sentindo o pânico começar a crescer. — Não vi a mensagem.

— Vamos, rápido! — Gabi exclamou, puxando-me pelo braço. — Se a gente não correr, vai bater o sinal sem a gente ter decidido nada!

Corremos até a parte de trás da quadra, onde Erick, Mauricio e Gabriel já estavam reunidos. 

— Olha quem decidiu aparecer finalmente — Mauricio comentou, com um sorriso irônico. — Demorou esse tempo todo só pra arrumar o cabelo?

— É, parece que ela cansou de ser chamada de urubu — Erick acrescentou, com um sorriso de quem estava se divertindo com a situação.

Havia um tom de brincadeira nas palavras dele, mas havia algo mais no olhar de Erick. Era como se ele estivesse tentando transmitir algo que não era imediatamente claro para os outros. Eu tentei rir junto, mas senti um calor subindo ao meu rosto, como se a piada estivesse tocando uma nota pessoal.

— Então, vamos ver o que cada um vai falar — disse Erick, tentando direcionar a conversa para o trabalho.

A revisão começou e logo a conversa se tornou mais técnica. Falávamos sobre a construção da casa, sobre como caçaríamos para obter comida e como utilizaríamos os frutos da ilha para sobreviver. A discussão se aprofundou em detalhes, e as piadas sobre os descendentes e os possíveis casais foram surgindo.

— E a nossa sociedade vai morrer na gente, ou a gente vai ter filhos? — Gabriel comentou, rindo. — Quem vocês acham que vai ser o casal responsável procriar?

— Ah, eu acho que a Raquel e o Erick ficariam perfeitos na função de procriadores — Mauricio disse, com uma risada.

Erick, sem perder a oportunidade, entrou na brincadeira.

— Claro, não seria fresco. Como de tudo, até urubu — ele disse, com uma risada safada.

Os outros riram, e eu forcei uma risada, embora soubesse que a piada era mais nojenta do que realmente parecia. Mas o olhar de Erick foi mais uma vez significativo, e eu não pude evitar um calafrio. Era como se ele estivesse fazendo uma piada para mim, mas com uma intenção escondida. Algo na forma que ele me olhava, fazia parecer que ele realmente gostava da ideia.

Enquanto a conversa se desenrolava, Erick se aproximou de mim de maneira sutil. Com um sorriso discreto, ele se inclinou e cochichou no meu ouvido:

— Pelo visto, não posso mais te chamar de urubu. Gostei do cabelo.

A proximidade de Erick me fez sentir um frio na espinha. Seus lábios quase tocaram minha orelha, e a sensação foi eletrizante. Eu olhei para ele, tentando manter a compostura. Ele deu uma piscada de olho e se afastou. Acredito que nenhum dos outros percebeu o que aconteceu.

O sinal soou, interrompendo o momento. Todos nós nos dirigimos para a sala, e o professor Rodrigo estava lá, pronto para começar.

— Boa tarde, pessoal! — disse Rodrigo, com um sorriso acolhedor. — Todos prontos para as apresentações?

Eu olhei para os outros alunos da sala e, todos estavam sentindo uma mistura de ansiedade e nervosismo. Eu não estava diferente deles, porém o meu nervosismo tinha outra origem. Mesmo que Erick tenha feito piadas bobas e entrado nas brincadeiras do Mauricio, existia algo no olhar dele que me deixava confusa. Era como se por dentro ele não gostasse daquilo.

Por outro lado, quando ele brincou que "comia até urubu", não era como se ele oddiase a ideia. Pela piada, eu poderia ter me sentido humilhada, aos olhos de qualquer pessoa ele me expôs, me chamou de urubu e ainda deu a entender que 'me comeria' porque não tem frescura. Eu deveria estar enojada. Qualquer outra garota estaria.

Mas eu não conseguia. Ele disse 'Claro'. E o que pude ver nos seus olhos enquanto falava não era desprezo. Aqueles olhos olhavam para mim como se desejassem por isso. Meu pai sempre dizia que toda piada tem um fundo de verdade. Maurício fez a piada como se fosse uma vergonha Erick ter algo comigo. Mas Erick disse 'Claro'. E ele ainda sussurrou no meu ouvido que gostou do meu cabelo. Ele não teria feito nada disso se tivesse nojo de mim.

Será que eu sofri tanto bullying na vida que já não sentia mais nada. Ou será que eu estou ficando louca, ou realmente o Erick sente algum interesse por mim?

Entre Ódio e DesejoOnde histórias criam vida. Descubra agora