12 - Luta de sentimentos

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As horas do dia passaram voando, ocupei minha mente em tentar limpar o sangue do carpete, dediquei um tempo ao meu cabelo que estava judiado e liguei para Victor retornar e me levar ao médico. Ainda havia um pedaço do vidro na carne, por isso estava infeccionando, levei um ponto e vou ter que tomar antibióticos.

Recarreguei a bateria do celular, que me deixou na mão quando eu precisava! Enviei o atestado para Dona Lavínia que só faltou me esbofetear pelo telefone.

Após um longo tempo deitada na cama com o rosário negro na mão, meus pensamentos voam para o que devo fazer, estou sem opções. Se não acatar o que aquele mascarado diz, a vida de pessoas que amo e únicas que tenho entram em risco, minha segurança não importa comparada a deles. Entrar em contato com o xerife Filipe de nada adiantaria, não resolveram os casos dos desaparecimentos passados, não encontraram Aurora a tempo, agora ela está morta. Eu abrir uma denuncia contra aquele lunático seria abrir minha própria cova.

Contra minha vontade lembranças da sua língua no meu quadril começam a aparecer, o aperto que dava em minha bunda, seus dedos me tocando, o gemido rouco que escapava por debaixo daquela mascara, o seu gosto... os açoites... 

Balanço a cabeça me odiando por... ter gostado? Não sabia o que sentir, talvez fossem os antibióticos fazendo efeito pois poderia estar ficando louca. Poderia estar morta, como Aurora. "Que o diabo esteja conosco"... aquele homem era o diabo em pessoa, e ao contrário daquela experiência com o padre Hector, em momento algum ele me passou medo, já aquele lunático me machucou! Ajoelho-me no chão, seguro o rosário e começo uma oração, estou tomada pelas tentações do Inimigo, não posso me afastar de Deus e me deixar levar pelo mal desse homem.

Depois de tentar me reconectar com Deus e me livrar do peso do pecado, resolvo ligar para Nicolau. Após algum tempo de espera ele atende.

— Oi Lili, meu arco íris. Tudo bem?

— Oi Nico, estou melhor... e você? Está bem?

— O dia aqui na lanchonete está um tédio, você não está aqui então a velha bruxa só me atormenta, hahaha, falando nisso... ouvi ela reclamando que você está de atestado, já ia te ligar e perguntar se está bem.

— Estou sim, cortei o pé e vou seguir com antibióticos, pode me visitar quando quiser.

— Posso? Não vou ser expulso a pauladas pelo seu padrasto?

— Não, Victor está... aceitando e reconhecendo seus erros. – digo tentando acreditar em minhas palavras.

— Bom, se você diz, vou acreditar. – Nico respira pesadamente do outro lado da linha e eu respondo.

— Eu sei, Aurora... Sinto muito Nicolau.

— É inacreditável Lili, o jeito que ela estava... eu lhe conto quando nos vermos, estou arrasado. Preciso ir, Lavínia está me chamando... se cuida, qualquer coisa me ligue!

— Certo, você também.

Desligo a chamada e um aperto cresce em meu peito. Olho pela janela e o sol já está baixando, mas antes de ele se pôr, preciso fazer uma coisa antes. Me levanto da cama, calço um chinelo confortável já que estou toda enfaixada, o remédio para dor ajudou, não dói tanto quanto antes. Vou em direção as escadas, preciso ver minha mãe.

Caminhando feito uma idosa, consigo chegar no pequeno cemitério que ficava não muito longe da minha casa. Os portões estão sempre abertos, e no pequeno muro branco ostentava a escrita "Cemitério de Santa Luzia". Vir aqui me traz tantas lembranças, ando pela estrada principal entre os túmulos. As lápides eram pequenas, construções simples, viro a direita e depois a esquerda e lá está, número 122, Olívia Bianchi.

Algum tempo se passou enquanto eu estava sentada no chão olhando sua pequena foto entalhada naquela pedra, retirei flores antigas e coloquei novas, margaridas, ela amava assim como eu. Contei tudo para ela, o que estava passando nos últimos dias, entre nós nunca houve segredos e se ela estivesse aqui tenho certeza que nada teria acontecido.

Vejo uma sombra tampar sua foto e me viro para conferir.

— Pad... padre Hector – respondo, gaguejando e com o coração pulando do peito.

— Boa tarde, Lilith. Não queria atrapalhar... – ele diz postando-se com as mãos para traz, usava sua batida, seu cabelo negro estava mais rebelde, com uma tentativa falha de o ajeitar ele passou seus dedos por ele, palpitando meu coração com o movimento. Sua barba estava bem aparada e seu cheiro de menta com pimenta invadiu minhas narinas. Tinha esquecido como ele era bonito e... intimidador.

— Não atrapalha, eu já estava de saída, e... o senhor, o que faz por aqui? – pergunto e viro o olhar para qualquer lado, o que eu quero me intrometendo na vida dele?

— Cumprindo meu dever de padre, estava encarregado do velório de Aurora, uma perda tremenda... – coloca a mão em seu peito, segurando o crucifixo que pendia ali.

— Ah, sim... não consigo acreditar ainda. – tento levantar mas meu peso pende para o pé que está machucado, na mesma hora ele se aproxima e me segura pela cintura. Fita meu rosto e seu olhar desce para minha boca. Detalhes da madrugada que tentei me confessar para ele vem a tona, suas palavras, ele ordenando que chamasse seu nome novamente... logo o padre aperta minha cintura onde sua mão pousava me dando um choque elétrico, sua pegada era forte e podia sentir seu coração batendo forte também. Fico hipnotizada olhando para seus olhos negros, o sinto afastar um cacho que caía em frente ao meu rosto, seus dedos roçam minha bochecha me causando um arrepio me tirando do transe. Pigarreio e me afasto.

Vou caminhando devagar em direção a saída do cemitério e ele acompanha.

— Sabe Lilith, não a vi mais na igreja depois... daquela confissão. Quero que saiba que não vejo problemas e nada irá interferir no nosso relacionamento entre padre e devota.

— Eu... hã, claro. Eu sei Hector, digo... Padre Hector. – Com tudo que aconteceu, ir a igreja e ao confessionário seriam coisas que acalmariam meu coração, mas essa situação...

— Pode me chamar do jeito que se sinta mais a vontade, sabe que eu não sou chato para certas coisas. – paramos nos portões e ele observava cada milímetro do meu rosto, seus olhos eram misteriosos. Lambia os lábios frequentemente e isso despertava em mim um sentimento estranho, o mesmo que experimentei com o mascarado, infelizmente! Adrenalina e medo. Luxúria.

— Tu... tudo bem. – por que não conseguia formular uma frase sem gaguejar? Que ódio! O padre pareceu notar meu nervosismo e da um meio sorriso, se aproxima mais de mim e completa:

— Amanhã terá uma breve missa a tarde, para acalmar os moradores com a palavra de Deus, e principalmente os Mancini com sua perda. Lhe espero lá. – Balanço a cabeça em confirmação sem conseguir dizer algo estando tão perto, já conseguia sentir o calor vindo do seu corpo. Deus! O que estou me tornando? Tantos pecados, pensamentos impuros, ele ainda é um padre, seu servo!

— Vou te acompanhar até em casa, para garantir que chegue segura.

— Não precisa! Padre... estou esperando um amigo e... – vejo seu maxilar se contrair, uma veia pulsa suavemente em seu pescoço e seu peito estufa o deixando maior... sua expressão se fecha.

— Ok! Se cuida, Lilith. – Da meia volta e vai em direção a igreja, seu cheiro continua ali, me deixando em uma bolha de saudades de o ter tão perto. E se eu contasse sobre o sequestro na minha confissão? Poderia confiar nele? Já experimentamos coisas... juntos e, mantemos segredo. Mas se o lunático descobrisse que confiei isso ao padre Hector, o colocaria em risco...

Fico parada o obervando se afastar, tentando entender se ele sentiu o mesmo que eu naquela proximidade que tivemos de novo. Tudo em mim parecia queimar quando estava perto dele.

Padre... que tipo de homem você é? 

O Pior de MimOnde histórias criam vida. Descubra agora