34 - Madrugada

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— Demorou para assumir, hein? - Hector diz me ajudando a levantar. Como poderia estar agindo tão normal depois da sessão de espancamento que aconteceu aqui? Fiquei mais desconcertada que ele.

— Você... não deixava eu assumir isso. - O vejo me observar, seus olhos tentavam captar cada detalhe de mim, talvez tentando entender se eu não agiria mais feito uma cadela raivosa novamente.

— Eu? Tudo com você é uma troca de farpas, vou ceder e fazer meu papel de mais velho aqui.

— Está me chamando de infantil?!

Seus dedos pressionam meus lábios para que eu ficasse quieta.

— Vou cozinhar algo para você comer, sente-se. - Suas mãos me guiam até a cadeira da ilha, me sento e o fito trabalhar no fogão. O silêncio que se iniciou entre nós, depois de muitas brigas, foi reconfortante, sem desconfortos...

Conforme Hector caminhava da geladeira, para pia e para o fogão, podia ver os vergões e marcas das minhas unhas em seu rosto. Não me orgulhava daquilo, eu o amava, o machuquei, mas essa era a forma de amar de Hector, e estava aprendendo com ele a resolver as pendências com punições, olho por olho, dente por dente e não com desculpas. Não repetiria novamente, não queria, se fossemos ter uma relação, daria tudo de mim para mudar o rumo disto.

— Me... desculpa, por isso - Encaro minhas mãos enquanto tentei pronunciar o pedido de desculpas em um sussurro.

— Desculpas pelo que, meu bem? - Hector continuava concentrado nos preparativos do lanche.

— Pelo o que?! Te bati, Hector, não queria ter feito isso..

— Esqueça isso, estava no seu direito. - Caminha até a ilha e deposita um prato com omelete e mistos quente na bancada. — Não trabalhamos com desculpas aqui, não gosto de pedir perdão.

Pego uma torrada enquanto Hector apanha outra.

— Mas padre... - Vejo seu olhar focar em mim, sabia que o chamar assim despertava algo dentro de si. Sorrio e continuo. — Você não é a pessoa que tem que influenciar as outras a pedir e aceitarem o perdão?

— Minha devota... - Um sorriso de lado brota em seu rosto. — Te afirmo novamente, o padre que sou lá fora, não fui com você, se não estaria morta agora.

O encaro com a boca aberta e o pão na metade do caminho. Um frio cresce em minha barriga e por ter tantas coisas acontecendo em pouco tempo, esqueço que Hector é um assassino que veste uma batina.

Toda esperança, mesmo que minúscula, de podermos ter uma vida normal e levar esse amor a frente cai por terra. Como iria conviver com ele sabendo que tem tanto sangue em suas mãos? Que continuaria com a seita levando sua "justiça" para os pecadores?

Pigarreio e mantenho seu olhar, calmo, mas com o rosto todo marcado, não dava pra o levar a sério assim.

— Você... não pensa em parar com isso?

— Não. É o objetivo que tracei para minha vida, e mesmo que não acredite, sou devoto a Deus.

— Acha que irá para o inferno, padre?

— O inferno está aqui, meu anjo. Quando afirmo que sou seu demônio, deveria acreditar.

Baixo meu olhar e termino de comer o misto quente. Teria que lutar internamente e com Hector para que mudasse essa sua visão de vingança. Deus sempre foi amor, foi meu alicerce, foi a mão que me manteve em pé quando tudo desmoronou, envolver mortes e sangue nisso, não era certo.

— Vamos dormir. Preciso acordar daqui poucas horas. - O mesmo se levanta e estende a mão para que o acompanhe.

— Tem insônia? - Pergunto enquanto caminhávamos em direção as escadas.

O Pior de MimOnde histórias criam vida. Descubra agora