62 - Precipício

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— E o sangue? Foi compatível?

— Óbvio que foi, deixa de ser tonto, se não fosse já estaria morta!

— Por culpa sua, que ouviu as ordens dele.

— Não era o plano? Ordenou que matasse e eu matei.

— Sim, sem herdeiros mas não sem a mãe!

— Que sensibilidade é essa, Pietro?

— Depois eu que sou o tonto, a herança seria transferida como com ela morta? Hein Daniela?

— Não me enche! Essa merda de plano já torrou meus neurônios.

Ouço passos e logo uma porta abre e se fecha com uma batida forte. Tento abrir os olhos mas tornou-se impossível com o sono absurdo que estava sentindo.

Meu corpo não correspondia aos meus comandos, como se uma tonelada de pedras me pressionassem ao chão. Pelo visto apenas meus ouvidos ganharam vida e faziam sua função normalmente.

Sinto algo no rosto e levo alguns segundos para identificar, uma mascara de oxigênio me ajudava a respirar, mas... por que tudo isso? Um constante “carregamento” vibrava entre um pensamento e outro, como se meu cérebro funcionasse no modo econômico de energia.

Mais uma vez tento me mexer, sem sucesso. Ativo os sentidos prestando atenção nos sons ao redor. Apenas silêncio. Onde antes haviam conversas, agora restava... uma respiração?

De quem eram aquelas vozes? Tem alguém aqui comigo? Longos segundos se passavam entre as dúvidas que surgiam. Eu bebi? Estou bêbada? Se tem oxigênio... isso é um hospital?

— Que bela bosta fizemos com você.— Algo pressiona minha cabeça. Sinto meu cabelo ser levemente puxado... cafuné?—Até que é bonita.

“Até que é bonita.”? Isso foi para mim? Mas que merda de elogio. Meu foco agora é em abrir os olhos e ver a fuça desse serzinho excepcional!

Essa voz...

A moça... Daniela? O chamou pelo nome. Cacete! Quando pensar em coisas ficou tão difícil? Parece que estou escalando uma montanha a cada pergunta que tento responder a mim. Já escalei uma? Acho que não...

Pietro? Ela falou Pietro...

Meu coração dispara, todo o oxigênio que transpassava lentamente pela mascara, se esgota. Meus pulmões buscam pela saída desse lago escuro e monótono onde estava imersa.

Meu cérebro pulsa como se tivessem dado um chute em um cavalo, que relincha e com o susto sai a galope com toda a força dos seus músculos. A sensibilidade volta em meus dedos, minhas mãos, pernas, braços e... abdômen.

Me contraio sentindo o desespero de estar em algo pior que uma paralisia do sono, mas com um demônio real ao meu lado. Pietro.

Paolo, Nicolau, o casamento, Benjamin... voltou. Nos beijamos, me pediu para que fugisse, fugisse dele... fugisse de Hector.

Abro a boca buscando por todo ar que estava disponível para mim, saio do neutro e engato a primeira marcha, força.

Sento na cama antes de conseguir abrir os olhos, automaticamente arranco a mascara do rosto como se tivesse sido enterrada viva, na verdade, parte de mim estava morta, eu já havia morrido.

Tudo explode em minha cabeça. Meu filho, o brilho do canivete, o barulho ensurdecedor dos disparos, a explosão, Romeo, Nicolau desmaiado e... ele.

O sangue se espalhando rapidamente naquela camisa branca, com um contraste tão forte quanto a dor e a incredulidade, quanto a minha negação em aceitar que aquilo foi real, e não apenas um pesadelo.

O Pior de MimOnde histórias criam vida. Descubra agora