56 - O Senhor ama a Justiça

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Seguia seus passos que agora estavam mais calmos para que eu acompanhasse o ritmo, desviamos das pessoas que apenas baixavam o olhar quando viam o padre, simpático como sempre.

Torço a boca para o lado notando que nada nessa casa estava normal, e me decepciono notando que talvez nunca estaria.

Hector abre a grande porta pesada da biblioteca, adentramos e assim que a fecha o silêncio nos rodeia, me observa parado por alguns segundos e começa a atravessar o local indo para o lugar perto da janela que havia feito para mim.

O sigo apertando os dedos em frente ao corpo, o que diria? Depois de quase um ano juntos Hector finalmente contaria mais do que viveu para mim?

— Sente-se, por favor.— Sua voz estava calma novamente, mas seus olhos não mentiam que estava aflito.

Me sento no pufe enquanto o padre continuava em pé, aguardo quieta o fitando para que contasse logo, seus pés ganham vida e suas mãos descansam no bolso do moletom, andando de um lado para o outro.

— Me deixe falar, não faça perguntas. Isso... é muito difícil para mim e tocar nesse assunto me irrita!— Seus olhos procuram o meu buscando algo, afirmo com a cabeça e enrolo os braços em minha volta.

— Como já falei, fugi dessa vida de Francesco com 16 anos, iniciei os ensinamentos no catolicismo... mas não imaginei o quão ruim seriam as coisas lá.

— Mas por que não voltou para casa?

— Porra, Lilith! — Levanto as mãos em rendição, seu maxilar se contrai e me esqueço como Hector nunca teve paciência.

— Fiz uma escolha. Não daria gosto ao meu pai para afirmar que quis o lado errado e voltei como uma criança para o seu teto.— A cada frase, sua respiração saía pesada.

— Os novatos ficavam em alas separadas, padres e freiras tinham fácil acesso a todas, enquanto nós éramos obrigados a seguir as regras e cumprir horários para tudo. Logo que cheguei, fiz dois amigos lá, Tomás e Eduardo... Sem eles acredito que teria me matado.

Me remexo no pufe sentindo um arrepio me percorrer, o que de tão grave assolava meu marido?

— No início, tudo parecia normal, café da manhã, orações e pregações, serviços braçais nos mosteiros, nada grave, mas como nunca fui quieto, e sempre tive insônia, peguei costume de andar pelos corredores logo após do toque de recolher. Algumas vezes meus amigos iam comigo, mas normalmente estava sozinho, foi ai que tudo desandou.

Hector passa seus dedos entre os cabelos, jogando para trás enquanto suspirava, algo nele relutava para falar desse assunto.

— Gostava de ir ao pátio a noite, roubava algo da cozinha e ficava em um canto escondido vendo o céu, mas um dia nesse caminho para pegar comida, ouvi múrmuros vindo do quarto de uma das freiras supervisoras. Me aproximei da porta e notei que eram gemidos. Me senti desconfortável, era virgem, nunca fiz algo assim antes, mesmo Francesco me pressionando para que virasse homem logo.

Sua língua estala contra o céu da boca desprezando as atitudes do pai.

— Logo pensei que estivesse louco, ali, naquele lugar? Alguém transando? Mas antes de me virar para voltar pro dormitório, sinto mãos apertarem meu ombro, gelo pensando que alguém me pegou vagando fora de hora e a penitencia viria em seguida, mas foi o padre Alonzo que me encontrou, e preferia que o diabo estivesse ali invés dele.

Abro a boca buscando por mais respostas, ou tentando conforta-lo, já que seus olhos brilhavam enquanto fitavam a janela, a emoção era nítida em seu rosto.

— A primeira coisa que disse é que eu tinha ouvido demais, que minha curiosidade me condenou. Abriu aquela porta e me empurrou para dentro, e o que vi me fez questionar toda a réstia de fé que tinha. Uma freira mais velha nua, em cima de um dos novatos, meu colega de ala. Seu olhar apavorado encontrou o meu como se pedisse socorro, mas travei, petrifiquei achando que poderia entender o que estava acontecendo, tentando negar o óbvio. 

O Pior de MimOnde histórias criam vida. Descubra agora