3 meses depois...
Estava atrasada para minha aula de Psicologia, corria entre as pessoas do campus tentando achar a sala da cadeira que tinha naquele horário. Ainda não tinha decorado o local de todas as salas já que a faculdade era enorme.
Meus dias, ao contrário de quando vivia em Santa Luzia, são muito corridos. Já consegui um estágio de atendente na administração da faculdade e quando solto já vou para as aulas. Mudar minha vida foi a melhor escolha que tomei, sinto que agora sou produtiva e futuramente irei colher bons frutos.
Acho a sala de aula e me deparo com a porta trancada, pego o celular e verifico minha grade de horários.
— Ah Lilith! Onde você está com a cabeça? — me repreendo vendo que não teria aula aquele dia.
Balanço a cabeça e me conformo em pelo menos ter a tarde de folga. Aqui em Barletta estou focando só em mim, então a única amizade que ainda tenho é Nico, nos falamos todos os dias por vídeo chamada e contamos as novidades um para o outro. Infelizmente fico sabendo de coisas que gostaria de esquecer...
Durante o caminho de casa, que graças a Deus é bem perto do campus, vejo o movimento da cidade. Ainda não me acostumei com tantas pessoas, casais, crianças, adolescentes, adultos, todos atarefados e caminhando pra todos os lados.
Aluguei um kitnet bem confortável, morar sozinha foi estranho no começo mas agora, não sei como não quis isso antes. Nas primeiras semanas acordava durante a madrugada pois ainda tinha pesadelos que alguém, um certo alguém, invadia minha casa. Com o tempo fui guardando bem no fundo do peito todos esses traumas e a maior decepção da minha vida.
3 meses antes...
Os atendimentos na lanchonete estavam corridos. Depois de um tempo afastada voltar a rotina foi difícil, Nico chegava com cada vez mais pedidos e eu tomava conta de montar os pratos. A velha bruxa me atolou de serviço já que fiquei alguns dias sem poder vir. Mas ficaria aqui por poucos dias, já que estava tudo programado para minha viagem.
Nicolau me ajudou comprando passagens e localizando um lugar para eu morar em um tempo record de 2 dias, deixamos só entre nós.
— Você viu? O encontraram sem vida!
— Quem? O desaparecido?
— Sim, sim! O Marco, que pesadelo.
Enquanto limpava uma das mesas escutei a conversa de duas moças, vou em direção ao balcão novamente e busco por meu celular. Abro as notícias e aquele rosto que vi dias atrás estava dado como morto. Sinto meu corpo gelar e a imagem do mascarado vem em minha cabeça. Como eu pude me entregar a ele? Como pude gostar? Não tinha certeza se as duas mortes eram suas, mas algo me dizia que sim, não conseguia ignorar isso.
Fecho a notícia e vejo incontáveis ligações de Hector. Depois do nosso encontro em meu quarto, ouvir sua declaração me deixou... em choque, eu o amava, sentia o amor queimar por todas minhas veias. Mas não o correspondi, não poderia... não estaria sendo fiel comigo mesma, depois da decisão que tomei e por tudo que passei. Sair de Santa Luzia seria a impulsão que minha vida precisa e negar meus sentimentos por ele fazia parte disso.
Errei em me entregar para ele, e quando lhe disse isso, que eramos um erro, seu mundo e o meu desabaram. Pedi que me desse espaço e que me deixasse ir embora. Não está sendo fácil para ele, e muito menos para mim, mas desde então, não nos vimos mais. Cada parte de mim gritava de saudades suas, mas eu teria que me escolher desta vez.
— Lili, quase na hora, que dia, hein!
— Ah, nem fale, Nico. Hoje eu cansei.
— Aconteceu alguma coisa? Esta com uma carinha triste.
— Muitas coisas acontecem aqui dentro. — Aponto para minha cabeça enquanto dava um leve sorriso para Nico, o mesmo se aproxima e me abraça.
Nicolau nem imagina o envolvimento e o sentimento que cresceu aqui pelo padre da cidade, mesmo ele questionando o que Hector queria em minha casa aquele dia, não deixei escapar nada, não correria esse risco.
Mais alguns minutos se passaram e nosso horário de ir para casa chegou. O mesmo ritual de sempre, saindo da lanchonete Nico me acompanharia até em casa mas algo me fez mudar minha rota
Meu celular apita, vejo que é uma mensagem do banco... desbloqueio e quase caio para trás. Uma transferência foi feita para minha conta, €100.000,00, enquanto Nico falava comigo, minha cabeça girava sem entender nada. Entro na notificação e o nome do autor da transferência brilha na tela do celular, Hector Ricci Santini.
— Mas... como...?! — digo em voz alta enquanto estava congelada no mesmo lugar.
— Vamos Lili? - levanto meu olhar para Nico que me aguardava para seguirmos caminho, mas não poderia... não teria como ir para casa sem explicações dessa quantidade absurda de dinheiro que ele me deu.
— Hã... pode ir, Nico, vou... passar na marcenaria antes, Victor pediu para que eu fosse o encontrar. — eu iria direto para a igreja, não ficaria com aquele dinheiro e preciso falar com Hector para devolver.
— Vou com você, com tudo que está acontecendo aqui, não vou te deixar sozinha. — Nico responde já se pondo ao meu lado para irmos.
— Não precisa! Vou me cuidar Nicolau e você precisa descansar, não é longe daqui, você sabe.
— Hummm. Tudo bem, teimosa, até amanhã.
— Até amanhã.
Vejo-o se afastar com aquele olhar de desconfiança, acredito que eu era péssima em mentiras, mas precisava me livrar de Nico.
Busco minha bicicleta e pedalo com toda a velocidade que conseguia para a igreja, chegando na frente da construção de madeira vejo suas portas fechadas. Já estava anoitecendo e passara do horário de visitas dos fieis.
— Preciso resolver isso hoje! - digo enquanto procurava uma maneira de entrar.
Acho a porta dos fundos da igreja e rezo para que estivesse aberta, a empurro e ela abre. Dou de cara com uma sala que parecia mais um deposito. Alguns bancos, mesas e imagens de santos pousavam nas prateleiras, ando mais um pouco e encontro o corredor que ficava o quarto de Hector, me recordo da nosso noite ali e meu coração começa a acelerar, pisco os olhos tentando me livrar dos sentimentos e focar em devolver isso a ele.
Acredito que após muito negar minha partida, quer me apoiar de algum jeito, mas tenho econômicas que guardei e um dinheiro que mamãe me deixou. A pergunta que girava em minha mente também era como um padre teria tanto dinheiro? Para se tornar padre ele teria que fazer seus votos de pobreza, então como isso era possível?
Chego em frente a porta de madeira e bato, aguardo resposta mas ela não vem, bato novamente e ela se abre... estava destrancada. Entro no quarto e chamo por Hector, nenhuma resposta. Ele não estava ali, mas seu cheiro fresco me invadiu trazendo a lembrança daquelas palavras de novo: Eu te amo, Lilith. Lágrimas começam a brotar mas tenho que ser forte, preciso seguir!
Pego o celular para caçar seu contato mas uma coisa chama minha atenção antes que eu efetuasse a ligação. Uma pequena porta, um alçapão estava entreaberto embaixo da sua cama, fico observando por alguns segundos até notar que estava do lado do local. Minha curiosidade grita e me ajoelho levando a mão para portinhola. Eu poderia ter deixado passar e apenas procurar por Hector, mas não poderia ignorar o quão misterioso aquilo parecia, já que remetia o desejo de que estivesse escondido.
Passando a mão pela pequena porta, encontro um baú, o puxo para fora e o fito, era médio, em madeira rústica escura. Talvez fossem suas coisas pessoais, talvez, só talvez eu quisesse cometer um roubo perdoável, encontrar algo seu e levar comigo como lembrança de nós, do que vivemos.
Levanto a tampa do baú e... gostaria que minha curiosidade fosse esmagada, que o mundo parasse de girar por alguns minutos para eu poder recuperar oxigênio. Gostaria que Deus tivesse perdoado todos os pecados que cometi em seu reino, gostaria de nunca ter vindo nesta igreja.
Minha visão desfocava com a quantidade de lágrimas que brotavam dali, caindo em cima da mascara branca surrada que se encontrava dentro do baú.
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O Pior de Mim
Roman d'amour⸸Em uma cidade esquecida na Itália, Lilith vive sua vida no campo sem muitos devaneios. Com apenas um amigo fiel e um padrasto superprotetor, Lilith Bianchi oscila entre a excitação e o tédio, a rotina e o inesperado, já que nunca experimentou plena...