22 - A Dor da Verdade

435 36 1
                                    

Estava começando a sentir saudades de Santa Luzia, da rotina mais calma e sem imprevistos, mas fiz uma escolha e vou cumprir com meus objetivos. Os dias passaram voando, trabalho, aulas e casa, tarefas em cima de tarefas e chegando o fim de semana estava exausta, mas seria aniversario de Nico e jamais iria me fazer ausente nessa data.

Já havia comprado as passagens, 1 hora de avião e após 2 horas de ônibus, faltava organizar as malas. Fiz umas horas a mais e consegui me ausentar por mais dois dias dos meus compromissos em Barletta pra poder aproveitar mais a minha visita.

Chegaria hoje a noite em Santa Luzia e iria ficar na casa da família do Nicolau. O clima com Victor não melhorou nada, avisei que iria retornar por alguns dias e o mesmo nem fez menção que se agradou. Pra toda escolha há uma renúncia, e não há nada que eu possa fazer quanto a isso.

No trajeto de avião dormi o máximo que pude, mas a sensação de cansaço não me abandonou. A ansiedade começava a dar as caras, tentei me manter calma mas meus pensamentos iam direto para ele... me questionava como ele estava, se pensava em mim também. Minha maior decepção também estava sendo comigo, mesmo depois de descobrir tudo de mais horrendo, a parte mais feia de Hector, meu coração ainda batia por ele, se preocupava com ele.

Infelizmente isso eu não estava conseguindo mudar. Mesmo me atolando de serviço, enfiando a cara em vários livros, focando em mim em todos os ângulos, seu fantasma me assombrava todas as noites e todos os dias. Ignora-lo fez-me assinar minha sentença de morte, um luto para toda vida.

Me aconchego no banco do ônibus enquanto observava o sol se por, o cheiro do campo e as fazendas começavam a aparecer pelo caminho e a sensação de voltar pra casa tomou conta, consigo relaxar por um tempo.

3 meses antes...

— Eu deveria ter te matado quando tive oportunidade.— Reconheci aquela voz, soube que Hector estava atrás de mim e viu que descobri tudo... tudo! Cacos de vidro e gelo se fincavam em minha pele, em meu peito, estava destruída, ter a presença dele ali não me despertou nada, apenas mágoa.

— Como... você pode? Por que? — o questionava ainda agachada na frente do baú, sem conseguir tirar os olhos daquela maldita máscara.

— Nunca te prometi romantismo, Lilith. Nunca disse que seria um príncipe encantado, ao contrário disso, sempre te mostrei que era diferente, e em mim só habitava a verdade e o racional.— ele responde parando em minha frente, conseguia enxergar seus sapatos pretos e a sua batina.

— Racional? — levanto meu olhar para ele, sua expressão era indecifrável. — Como você diz que isso é racional?!! — A primeira reação que brotou em mim foi a raiva, pego a mascara de dentro do baú e levanto em frente ao seu rosto.

— Um monstro Hector, isso que você é! Você matou aquelas pessoas! Você me sequestrou, brincou comigo!

O padre vem em minha direção e arranca o pano da minha mão, segura meu braço e aproxima nossos rostos, o estrago sentimental que tinha me causado era tanto que não sentia medo.

— Eu sou o culpado de tudo então? Você é mais uma igual eles? Ou não ira assumir que também quis, que também trepou com um padre? Que ama um padre! — seus berros poderiam ser ouvidos a quilômetros, seu aperto aumentava em meu braço, mas continuei:

— Eu amei o Hector, mas você... eu não sei quem é você, eu sinto desprezo por você!

— Por mim? Transou com teu sequestrador, implorou por mais, o sujo não é só eu!

— Eu matei alguém?! Olhe Aurora! Olhe o que fez com ela, sem motivos! Você é maníaco! — Hector solta meu braço e ri, sua risada vai aumentando e seu sarcasmo toma conta do ambiente, eu estava discutindo com o próprio diabo, pois tudo nele se mostrava errado naquele momento, ele era cruel quando queria.

— Aurora... matei, sim! Eu matei a Aurora, e matei mais um hoje. — Mesmo o acusando, mesmo desconfiando, ouvi-lo assumir essas mortes fez meu chão que já estava fraco, desabar. Uma porcentagem minha ainda queria acreditar que ele só foi "o mascarado" comigo, mas não... me apoiei na parede do quarto tentando buscar conforto, enquanto Hector andava em passos lentos de um lado para o outro.

— Sabe, Lilith... Nunca esteve no meu roteiro, em lugar algum, me envolver com alguém. Meu objetivo nessa cidade já estava traçado. O que eu faço? Eu puno, quem merece, os pecadores. Sou a espada de Deus na terra, ou servo do diabo, veja como quiser.

Enquanto tentava assimilar suas palavras, flashs passavam em minha cabeça, como pude não ver? Como pude deixar ser levada por ele? A paixão por Hector foi tão ardente que não quis mais nada dele, apenas amor. Não o conhecia, nunca o conheci.

—...mas aquele dia, eu te vi,e tudo em mim queimou. E a pior parte que você não aceita, é que queimou em você também!

— Se eu soubesse ou imaginasse que você era um assassino, jamais teria o deixado entrar na minha vida! — um sorriso ladino brota em seus lábios, minha respiração não acompanhava a bomba de sentimentos que ocorriam dentro de mim.

— Nada é como queremos, e eu não sou seu anjo... A tua bondade te atrapalha de ver as coisas como são. Aurora, a coitada da Aurora, abusava do próprio irmão! Uma ninfomaníaca do caralho! Aquela vagabunda teve a justiça que merecia. — Eu não poderia acreditar, sua explicação saia entre os gritos e indignação dos seus gestos.

— Mas quem é você Hector, para matar as pessoas! Assassinar! Por que veste essa batina? Por que diz que é um homem de Deus?!

— Deus é mais justo e insensível do que você imagina, Lilith. — Hector vem em minha direção e me encurrala na parede, leva seus dedos para meu queixo e faz eu o encarar, lágrimas molhavam todo meu rosto. Seu olhar me perfurava sem nenhum remorso presente.

— Marco... abusava da sobrinha, um pedófilo! Todos merecem pagar, todos irão pagar, pela minha vontade. A bíblia não será mais o refugio dos mentirosos enquanto eu viver. — Seu dedo alisa minha bochecha, seus olhar alterna entre minha boca e meus olhos, meu coração batia freneticamente.

— Nunca menti para você, te quis do meu melhor lado, esse com a batina e o meu pior... o que você descobriu hoje. Te afirmei que iria te mostrar partes de mim que você não conhecia. Você pecou, Lilith, te puni... mas não matei, porque sei que teria matado uma parte de mim também.

— Você quer que eu te agradeça por isso?! — minha pergunta saia como um sussurro, nossa proximidade atrapalhava meu raciocínio.

— Não... Quero que aceite seus demônios e os meus. Queime no inferno comigo.

— Eu não sou como você! Você não merece carregar o nome de Deus, não merece o título que tem!

— Cala a boca! Ingênua! Nunca irá passar na tua cabeça o que realmente acontece dentro do catolicismo, dentro dessa merda de religião! Tudo... tudo que eu vi dentro daqueles mosteiros não chegam nem perto do que faço hoje! Ao contrário deles eu procuro justiça para aqueles que sofreram. No caminho para me tornar padre eu vi que todos desonravam Deus e mentiam sobre ensinamentos para alienar e controlar as pessoas. — Hector se afasta e enfim respiro. Da passos para trás enquanto me fitava.

— Eu não pedi para te conhecer, mas conheci, e amei. Te quis e tive, e você é minha, Lilith. Você alimentou meus demônios, ofertou o que eles mais queriam, e agora... sou seu pesadelo.

☆ Está gostando? Deixe uma estrelinha! Grata pela ajuda. ☆

O Pior de MimOnde histórias criam vida. Descubra agora