Linda.
Brava.
O olhar mais maduro, talvez um pouco menos sonhador do que quando a conheci.
Coloquei a foto do menino na mesa dela quando percebi a feição fechada.
— O que está fazendo aqui? — a voz dela é séria, quase neutra, mas eu sempre soube ler seus olhos muito bem.
— Eu vim conversar. Em paz. Como ele está?
— A saúde dele não lhe diz respeito.
— Para, Giovanna. Eu vi como estava preocupada, uma leoa.
— Ele está bem. Está em casa.
— Na Umbria? — eu pergunto por pura curiosidade.
Talvez até um certo egoísmo pela possibilidade de saber que ela vive cercada pelas nossas memórias com o marido dela. Eu sei, eu era um merda.
— Você ainda tem a casa, não é? — eu pergunto ao perceber como ela demora para me responder.
Giovanna respira fundo, coloca a bolsa em cima da mesa com um baque, depois coloca as mãos na cintura e é impressionante como seu corpo mudou tanto. Suas coxas estavam mais grossas, sua postura mais firme, e era impressão minha ou tinha a porra de um piercing em seu colo?
— Kemal e Canan moram lá. Achei que seria justo.
— É justo. — eu falo logo. — Então você mora aqui em Florença... com a sua família.
— Eu não sei o que deu em você para aparecer aqui depois de anos achando que eu vou te convidar para tomar um café, para contar como está minha vida e fingir felicidade ao ouvir da sua. — ela rebate logo. — Você quer conversar agora, mas eu tentei conversar com você naquele hospital.
— Gio...
— Não, Alexandre. Não. Naquele dia eu jurei que jamais ouviria uma palavra sequer que viesse da sua boca. Eu ignorei sua existência, ignoro até hoje, porque para mim você morreu naquele dia.
— E para mim você viveu! — eu respondo rápido, ríspido. — Você percebe o que passamos naquele dia? Nós quase morremos, Giovanna. Por culpa do Hakam, por você ter se envolvido comigo...
— Você tomou uma escolha por mim. Você nem ao menos me deu a opção.
— Você teria ficado?
Se eu teria ficado? Eu tenho vontade de gargalhar.
É claro que eu teria ficado.
— Agora não importa mais. Definitivamente não sou a mesma mulher que você mandou embora.
— Não. Não é.
— Você... você é feliz?
— Você quer muito ouvir, não é? Eu sou feliz, Alexandre. Sou feliz desde que saí do seu lado, desde que seu nome saiu do meu. Sou feliz quando acordo e encontro meu filho sorrindo para mim. Sou feliz por ter meus tios comigo, por ter minhas amigas. Sou feliz por cada raio de sol que bate em minha pele e que por meses depois de você eu achava que nunca mais ia sentir alguma coisa.
— Tem... alguém?
— Ah, sim! E tem isso, é claro, é isso que quer que eu diga. Que eu tenho um homem ao meu lado, que cuida de mim, que escuta minhas vontades, que me respeita. Que é um ótimo pai, que ama Emir tanto quanto eu, que faria qualquer coisa por nós dois, inclusive ser presente. E não podemos esquecer... — a voz dela fica nublada. — Um homem que me faz gozar como ninguém, me ama, me domina, me protege... é isso que quer ouvir, não é?
— Eu...
Ela se aproximou de mim, parecia pronta para me matar, e ao mesmo tempo muito exausta para fazer qualquer coisa.
— E se eu te disser... que na verdade você me destruiu para o amor. Que não consigo confiar em homem algum, que tenho medo dele acordar um dia e me mandar para fora da vida dele. O que você diria se eu dissesse que meu coração parou de bater há muitos anos para o amor, que aqui, olhando para você, é como se eu estivesse na frente da minha criptonina, que me machuca e me dói? O que você diria?
— Eu sinto muito, Giovanna. Nunca foi minha intenção, eu sempre quis que você... fosse mais feliz que tudo. Eu sinto muito que não tenha dado certo com o pai do seu filho.
É como se um raio partisse o céu nebuloso dos seus olhos e ela se fecha de novo.
— Eu também. — é o tom mais honesto e sem ironias desde que começamos a conversa.
— Ele não... quis?
— Ele morreu quando eu descobri que estava grávida. Foi um acidente. — ela rebateu rapidamente.
Dei o assunto por encerrado. Eu claramente não era bem vindo nesse cenário de sua vida e não queria ultrapassar.
— Eu só vim até aqui saber como estava.
— Agora que já sabe, pode voltar para sua vida em Istambul e me deixar em paz, não é?
Ela quase implorava dessa vez. Eu vi lágrimas em seus olhos. Concordo em silêncio, deixo sua sala com o coração aberto porque eu sabia que aquelas lágrimas se acumulando iriam cair.
Eu deixo o prédio da galeria com um nó na garganta. Uma ansiedade que faz meu coração querer pular do peito. Que se dane, tiro meu maço de cigarros do bolso e me preocupo em me matar mais rápido.
É óbvio que comigo ia ser pior, mas saber que ela não tem a família que sempre mereceu ter, o amor tranquilo que sempre sonhou viver... isso me fazia questionar.
Questionar de modo extremamente egoista, eu já sabia a resposta.
Caminho pelas ruas completamente sem rumo. Me deixo levar pelos pensamentos, pelas palavras dela, pelos olhos doloridos. Eu poderia andar por quilômetros e meus pés não doeriam como a alma dela.
E pensar que já andamos por essas ruas completamente apaixonados, em negação da parte dela ainda, mas já apaixonados. Casados, sem se importar se teríamos Istambul porque já tínhamos Florença. Será que ela andava por essas ruas e pensava a mesma coisa?
Será que se agarrava nessa memória também?
Eu trombo contra uma pessoa, uma professora, cercada de crianças. Peço perdão, deixo eles naquilo que parecia um passeio.
— Senhor? — escuto uma voz ao meu lado.
Olho para baixo, vejo aquele garoto da galeria.
Emir. Emir Antonelli.
— Devia parar de fumar! Isso mata e fede!