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Eu observava Emir brincando no jardim com minha mãe enquanto absorvia as palavras de Mert. Meu advogado tentava por vias legais puxar todas as movimentações de Hakan e ainda assim isso não iria me convencer que não havia algo errado no universo naquele momento. Giovanna foi para o Ataturk em um carro blindado junto com Omar, que a esperou entrar em segurança no lugar antes de ir embora. Alguma coisa não conseguia se aquietar dentro de mim.

— Nero, tudo que Hakan faz hoje em dia é dentro da lei.

— Nós dois sabemos que não, Mert. Ele não ia abrir mão disso tudo tão fácil, Hakan não tem medo da justiça, compra ela como quem compra um balik ekmek. E eu sinto que ele está de olho na minha família, ele sabe.

Alexandre, está paranóico.

— Ele sabe, Mert. Ele deve estar nos seguindo, ele sabe. Eu quero que esqueça as vias legais, quero que investigue tudo a fundo, eu sei que você consegue, você tem os contatos, foi assim que fez minha defesa.

— Eu não posso arriscar, e se descobrem? Eu perco a minha licença.

— Eu te pago o que for preciso, Mert. Precisa descobrir os meios que Hakan ainda usa, qual é o tamanho da influência dele. Pode não ser sua máfia, mas pode ter contratado outra para fazer o serviço.

— São anos dele no anonimato, você não acha...

— Eu não quero achar nada! — eu gritei, batendo na mesa do escritório de George. — Eu não quero achar, eu quero ter certeza, é a minha família que estamos falando, está bem? É a minha mulher e o meu filho, e se você não me ajudar, eu mesmo faço isso sozinho.

Mert vê o desespero no meu olhar, respira fundo e concorda em me ajudar.

— Certo, eu vou falar com alguns contatos e ver onde eles podem ir através da internet, coisas que só eles sabem fazer sem deixar rastro.

— Acha que consegue me dar alguma posição hoje?

— Até o final da tarde teremos uma noção e posso tentar uma medida protetiva para você e sua família.


Depois de mais uma reunião com o diretor, fico em minha sala improvisada revendo algumas propostas e fazendo as ligações devidas. Assinalo cada atividade feita naquele dia, uma ansiedade desproporcional para voltar para casa e para os homens que ocupavam minha mente o tempo inteiro. A preocupação de Alexandre se tornou preocupação para mim, eu nunca tinha me achado sensitiva, mas Nero tinha uma linha de certeza no olhar que eu não conseguia mais ignorar.

Pego meu celular, paro o trabalho por um tempo. 

Já falei com o advogado, vamos esperar. Emir e minha mãe estão fazendo a massa para nosso jantar. Vou pedir para Omar pegar algumas coisas na minha casa, vamos passar a noite aqui na mansão.

Eu concordo e fico encarando a foto que ele me mandou por um instante. Emir e a avó, em uma cena que poderia ser tão comum se não fossem todas as pedras no caminho. Respondo o grupo de  Naz e Asya e digo que tudo está bem, que tudo estava fluindo bem. É claro que poupo os detalhes que elas tanto querem saber. Coloco o telefone na orelha quando aperto o contato tão conhecido, e o qual eu precisava tanto ouvir a voz.

Filha? Venha, Canan, Giovanna está ligando.

Escuto a voz de Kemal e sorrio, meu coração acalma.

Como estão, tudo certo aí? Alexandre  está te tratando bem? E o meu neto? — ele pergunta ansioso e eu o acalmo logo.

— Tudo está bem, tio. Também estou com saudade, não vejo a hora de voltar.

Está tudo bem mesmo? Por que diz isso, achei que trabalhar no Ataturk lhe faria bem...

— E faz! Mas quero minha cama na Úmbria, o colchão de hotel não é tão bom assim.

A verdade é que o colchão de Alexandre me deixava com doras nas costas, mas eles não  precisavam saber disso ainda.

— E Emir? Como ele está com Nero, meu bem?  — a voz de Canan me faz voltar para a realidade.

— Eles estão se dando muito bem. — me lembro da noite passada, que apesar do susto, nos trouxe uma coisa muito boa. — Chamou Nero de pai ontem, sozinho, veio dele...

Allah que coisa boa! — Canan comemora e escuto meu tio proferir uma oração rápida em agradecimento.

No fundo, eu sabia que tudo que eles queriam para mim e Emir era uma vida cheia de bençãos. E eu me agarrava em cada oração que faziam, como se fosse minha salvação verdadeira. Um funcionário bate em minha porta e eu me atento para o trabalho, me despeço com a benção e desligo o telefone, mandando o homem entrar.

— Aqui as chaves, a mala de Giovanna está ao lado da cama, para mim pode pegar poucas coisas e para Emir também. — eu falo, dando a chave de minha casa para Omar.

— Certo.

— E... Pegue a Selim e venha jantar aqui em casa. — eu falo, preocupado com meu amigo. — Venham com roupas para ficar.

— Não pode prender todo mundo dentro da mansão, Nero. — ele falou como se eu estivesse ficando louco, e talvez estivesse.

— Faça como eu disse, sim? Não ofenda minha mãe, ela que chamou você e sua namorada.

— Selim está na casa dos pais, mas eu venho. Pode deixar...

Nesse momento senti meu celular vibrando no bolso, pensei que fosse Giovanna para me dizer que já tinha acabado o trabalho, que esperaria dentro de  sua sala como era nosso acordo. Era Mert.

Você tinha razão. — ele falou ofegante. — Tem fotos e mais fotos de vocês em Istambul, fotos de Giovanna entrando no Ataturk hoje cedo, Alexandre... Fotos de minutos atrás da entrada do centro cultural.

Aquela mesma sensação de quente e frio, desligo o telefone e olho para Omar.

— Vamos buscar Giovanna agora mesmo, chama a polícia. — ele falo em desespero.





Sinto minha visão ficar turva enquanto caminho com nossa bandeja de chá até a sala. Um vento frio bate em mim. Um cheiro de flor. O metal no chão faz um barulho alto e eu me apoio na parede. Kemal aparece para me socorrer em segundos e fica me tentando entender o que aconteceu, me perguntando se foi a pressão. Quando sento no sofá, sinto meu coração acelerado.

— Kemal, ligue para Giovanna, quero falar com ela. Ligue.

— O que está dizendo, mulher, falamos com ela hoje mesmo.

— E quero falar de novo! Ligue!



Alexandre parecia tão ansioso no telefone, pior do que quando sai de casa. Estava agitado, disse que estava chegando, que era para eu ficar dentro do Ataturk. Não sair de jeito nenhum. A paranóia dele ia me deixar presa dentro do setor administrativo. Vou caminhando entrada a fora e paro com o celular na mão na calçada. O horário de saída do trabalho das pessoas deixava a rua cheia de vida, com trânsito e barulho de buzinas.

Eu estou olhando para a fila de carros que se forma, tento ver se enxergo o carro dele, mas nada. Sinto o celular vibrar, vejo que é Kemal, e assim que estou pronta para atender, vejo uma moto parar na minha frente. O motoqueiro, ainda de capacete todo preto, está voltado como se olhasse para mim. Quando vejo sua mão se aproximar da cintura, eu tenho um tempo mínimo para correr para dentro do Ataturk e me esconder atrás de alguma pilastra. O estilhaço de vidro estourado atinge meu rosto, mas eu não consigo me importar com nada.

Só com a sequência de tiros que escuto em direção ao prédio.

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