XVI

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Eu mexia no masbaha enquanto tomava um chá turco. Eu já estava no banco daquele mesmo dia em que comemos os mexilhões juntos. Acho que logo que sai do Ataturk tive vontade de esperar aqui, mas me contive, fui para casa, trabalhei, ainda que minha mente estivesse 100% focada no fato de que Giovanna aceitou dar uma chance a isso.

Eu poderia ter deixado de lado, mas Hakam jamais deixaria.

O sol estava perto de se pôr quando eu senti o cheiro dela. Olhei para o lado, a visão do céu parada segurando a alça da bolsa. A regata branca em um tecido leve, a saia preta um pouco acima dos joelhos, um salto baixo. Ela não passou em casa antes me encontrar, sua ansiedade era a mesma que a minha.

— Terk já começou a preparar a comida, você quer esperar para comer? — ela perguntou casualmente.

— Podemos esperar escurecer de fato, ainda não estou com fome, você está?

— Sem fome. Nervosa demais para estar com fome. — ela falou, sentando ao meu lado no banco com uma certa distância.

— Nervosa por algum motivo? — sento de frente para ela, minha atenção apenas sua.

Ela olha para a água, ri, mexe no cabelo.

— Você ainda pergunta, Alexandre. Parece que vive no mundo da lua. Vou te relembrar: me pediu em casamento.

— Ah sim, verdade. Eu pedi. — concordo e vejo o olhar dela ferver de raiva pelo meu modo casual de falar.

— Você ainda vê isso como uma brincadeira. O que é? Uma aposta? Um negócio?

Sinto um frio percorrer minha espinha e balanço a cabeça em negação rapidamente.

— Nunca, nunca, Giovanna.

Ela me olha e parece pensar por um instante. Espero, agora quem está nervoso sou eu.

— Por que você sumiu?

Eu estava preparado para essa. Por horas pensei em como responderia, até entender que a verdade seria a melhor saída. Não sobre Hakam, não foi ele que me fez sumir, foram meus próprios demônios.

— Fiquei pensando em como... em todos os jeitos que eu poderia complicar sua vida. Eu não acredito ser digno de 1/3 da sua atenção, e ainda assim aqui estamos. Eu pensei que eu poderia só deixar pra lá.

— Sem um sinal de vida?

— Nisso eu culpo minha fraqueza, tinha certeza que só de ouvir sua voz eu voltaria atrás.

— E casamento? Da onde veio isso?

— Mais ou menos na metade do segundo dia eu já tinha certeza que você não sairia minha mente.

— E casar comigo é a melhor opção? O que aconteceu com cortejar?

— Pretendo te cortejar bastante, mas acredite, eu sou um homem para casar.

A risada alta que ela solta me faz rir também. Era contagiante o jeito como Giovanna parecia emanar alto astral. Quando se recupera, ela me olha. Não como se me analisasse, mas como se procurasse calmaria do meu lado. Enquanto eu viver eu quero que sua vida seja calma.

— Eu gosto de domingos. Me lembram os dias de minha infância em que meu pai brincava comigo no jardim, a gente construía barquinhos de madeira, e no verão sempre íamos para Bodrum testar nossos modelos. — começo minha confissão só para ela, e de repente não tem mais ninguém ao nosso redor. — Minha mãe faz o melhor Baklava do mundo, sempre me acordava no meu aniversário com um. Morro de medo de errar, Giovanna. Quando algo não sai como eu planejei, eu me desmonto. Eu torço para o Galatasaray, e quando eu tiver um filho, quero levá-lo ao estádio comigo. Eu te digo tudo isso porque você faz parte dessas boas memórias também.

— Quero que saiba que não estou fugindo de voce. — ela diz com calma. — Se eu estou aqui, saiba que seu pedido não é tão louco quanto parece.

Eu sorrio para ela, tomo sua mão na minha, a beijo devagar. Ela apenas sorri de volta.

— Vamos comer agora? — pergunto.

— Achei que não fosse falar nunca.


Eu deixo meu pratinho de lado. Estava faminta, morrendo de vontade de comer esse bendito arroz. Vejo como Nero me olha, tendo acabado um pouco antes de mim, ele tinha um sorriso travesso nos lábios.

— Segurei sua fome, não é?

— Consegui sobreviver, ainda bem.

Ele toca minha mão de novo.

Atos de serviço e toque físico, são duas coisas bem marcantes dele.

— Vou te deixar em casa, tudo bem? — ele pergunta calmo.

Era quase palpável o alívio que ele estava sentindo. De certa forma, eu também. As palavras dele eram verdadeiras. Desesperadas, talvez, mas verdadeiras, e eu senti confiança no que ele me dizia.

Esse homem tinha sido enviado para mim.

— Eu imaginei, então podemos ir? — eu pergunto e ele concorda, pegando nossos pratinhos para jogar no lixo.

Me levanto e olho para nosso banco. Quem poderia dizer? Temos um banco. Isso era ridículo. Uma música suave começa a tocar de longe, era de outro carrinho, provavelmente para atrair cliente. A melodia era levemente triste, e a letra não era das mais animadoras, o que me faz crer que aquele homem ou não é daqui, ou está passando por uma fossa das grandes.

Sinto um toque suave em minha cintura. Alexandre me vira para ele, está entre a seriedade e a leveza, aproxima meu corpo do seu, põe uma de minhas mãos em seu peito, e a outra segura na dele. Quando vejo, estamos dançando a melodia no ar. Eu deixo ele me guiar, sinto meu rosto ficar vermelho, desvio o olhar.

— Não gosta de dançar? — ele pergunta baixo, sua respiração batendo em meu rosto.

— Estamos em público. Pode não parecer, mas tenho vergonha.

Ele sorri, balança a cabeça em negação.

— Eu sinto que só tem nós dois aqui.

— A melodia é triste, preste atenção na letra. — eu peço. — Bağır, bu aşk ucuz roman, yalan... yalan... yalan, yalan...

Nos olhamos e eu vejo como ele está fixado em mim.

— Meus sentimentos por você não são uma mentira. — ele fala rouco.

Ele espreme a verdade de dentro de mim.

— Meus sentimentos também não, Alexandre.

Ele sela o acordo beijando minha boca diferente de todas as outras vezes. Foi suave, quase uma carícia, foi doce, fui arrebatada.

Alexandre me deixa na porta de casa. Quando me preparo para me despedir dele, vejo que ele está olhando ao redor do meu prédio, como se procurasse alguém.

— Não se preocupa, meu tio Kemal ainda não está te caçando. — eu falo rindo, pegando minha bolsa do chão. — Está procurando alguma coisa?

Ele olha para mim sorrindo, parece que só sabe fazer isso.

— Tudo que eu procurava, já achei.

— Quero ver você ser charmoso assim na frente do senhor Kemal.

— Me fale o dia e a hora e te garanto que vou tirar de letra.

— Boa noite, Alexandre.

— Quando eu vou te ver de novo? — ele faz aquela pergunta famosa.

Olho por cima do ombro antes de sair do carro. Me recuso a responder. Ele pode me ver de novo quando quiser.

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