Eu corto a carne de Can enquanto escuto ele tagarelar com o pai. Meus olhos estão estreitos pela claridade do sol em nossas cabeças, o cheiro de mar toma conta dos meus sentidos. Eu amava almoçar às margens do Bósforo, mesmo que infelizmente não tivesse sido nosso arroz com mexilhão - Nero disse que há tempos o homem não aparecia para vender sua culinária, provavelmente aposentado das funções. Quando termino de cortar os pedaços, cutuco Emir para que volte a comer e não me enrole. Olho para Alexandre e percebo como ele parecia cansado, mesmo que tivesse ficado poucas horas na obra. Ajeito o guarda napo no meu colo e me inclino um pouco, tornando nossa conversa mais íntima e inviável aos ouvidos do nosso filho.
— Aconteceu alguma coisa na obra? Você parece preocupado, cansado...
— É estranho, não sei, o advogado do proprietário me deixou pensativo.
— Algum problema?
— Acha que eu colocaria Emir em perigo? — ele pergunta baixinho, não querendo chamar a atenção do menino.
O homem na minha frente, grande, imponente, parecia tão fraco diante de sua própria perguntar. Achei que já tivéssemos passados por essa fase, mas parecia que, assim como eu, Alexandre também tinha suas inseguranças.
— É claro que não. — toco a mão dele sobre a mesa. — Por que diz isso?
— O advogado perguntou se eu deixaria meu filho morar na casa, se ela era segura, de alguma forma eu acho que ele não quis dizer aquela casa, e sim...
— O que está pensando? — eu pergunto um pouco receosa.
— Nada, nada... Acho que é coisa de pai de primeira viagem.
Eu sinto que tem mais, uma insegurança que ele não quer compartilhar comigo. Nossas cabeças são tomadas por uma nuvem carregada, aquelas que ao se arrebentar podem fazer um estrago em uma cidade. Tentamos nos distrair, levamos Emir em alguns lugares para conhecer, mas eu sei que Alexandre só quer voltar para casa.
Sugiro um filme debaixo das cobertas e Emir logo se anima, correndo para o carro logo. Uma vez que Alexandre dá partida no veículo, eu seguro a mão dele, fazendo me olhar.
— Fique tranquilo, está bem? Estamos bem...
Pai?
Eu escuto a voz de Emir vindo do quarto, ele parecia assustado, me chamava quase como se tivesse medo de me chamar, como se a criatura que o assustava em seu sonho pudesse fazer algum mal a mim. Eu escuto passos pesados, olho para o lado da cama e não vejo Giovanna. Me levanto e sinto meu corpo tremer, estou quente e ao mesmo tempo com muito frio. Me levanto para ir até o quarto de Emir e ao entrar, ainda sonolento, entro em pânico.
Hakan. Uma arma apontada para meu filho.
Ele me olha como se tivesse prazer no que estava prestes a fazer.
Pai? Me ajuda.
Eu quero me mexer e não consigo.
Sua esposa está na sala, já dei um jeito nela.
Papai?
— Papai! — eu acordo em sobressalto, o coração na boca, o ar me faltava.
Sento na cama, estou suado, quente e frio ao mesmo tempo. Giovanna senta rapidamente do meu lado, e ao ouvir o choro de Emir, corre para o quarto ao lado antes que pudesse perguntar o que houve comigo. Eu tento recuperar a respiração enquanto escuto o choro de Emir, dizendo que teve um sonho horrível, e chamando meu nome.
Não Sr. Nero.
Mas pai.Emir me chamava de pai.
Eu levantei da cama rapidamente e entrei no quarto dele logo. Giovanna tentava acalmar o filho nos braços, mas logo que ele me viu, se esticou para que eu o pegasse os braços. Puxei Emir para mim, o menino se agarrou em meu pescoço, e acho que nós dois tentamos controlar nossa respiração. Acaricio os cabelos dele e o aperto contra mim.
— O que foi, filho?
— Pesadelo, papai.
— Não se preocupa, vamos dormir com você, está bem? Seu pai está aqui.
Olho para Giovanna, e ela parece emocionada, e eu me dou conta do que aconteceu.
Deitamos na minha cama quando Emir se acalmou. Ele se aninhou no colo da mãe e eu fiquei olhando os dois. Quando Giovanna percebeu que o menino estava dormindo novamente, voltou a atenção para mim.
— Você também teve um pesadelo. — ela falou calma.
— Hakan. Sonhei que ele entrou aqui.
— Isso tudo depois daquela visita, Nero... Esse advogado...
— Eu não sei, eu pedi para o Omar analisar a ficha do cliente antes da gente fechar negócio, não tinha o nome de ninguém daquela família.
— Você acha?
— Eu vou falar com o meu advogado amanhã, mas com certeza deve ser só... Um incomodo meu. De qualquer forma eu... Vou pedir um carro blindado para você, só por precaução.
— Alexandre...
— Por favor, só para me deixar tranquilo.
— E você e Emir?
— Vou ficar na casa da minha mãe o dia inteiro e pedir que o advogado vá até mim. Confia?
— Confio.